sábado, 26 de maio de 2018

Bruno Bettelheim e a psicanálise dos contos de fadas


Bruno Bettelheim
e a psicanálise dos contos de fadas
Para psicólogo austro-americano, violência e tabus contidos nessas narrativas tinham poder de atração sobre as crianças por seu conteúdo humano e por simbolizarem a saga do herói, correspondente ao desenvolvimento delas próprias
MYRIAM CHINALLI , 21 DE AGOSTO DE 2017 / 4469 0

Nascido em Viena no início do século passado, o psicanalista austro-americano Bruno Bettelheim (1903-1990) é originário de numa família judia da alta burguesia. Entrou na universidade para fazer um curso que passava pela literatura, pela história da arte e pela estética. Em sua tese de fim de curso, já demonstrava interesse pela psicanálise: procurou integrar uma abordagem psicanalítica da arte com uma interpretação filosófica do belo. A partir de 1932, uniu-se a psicanalistas vienenses que se interessavam pelo tratamento de crianças. A primeira e a segunda esposas de Bettelheim eram discípulas da médica e pedagoga italiana Maria Montessori (1870-1952).
Em 1938, foi deportado pelos nazistas para um campo de concentração, onde passou um ano sendo violentamente espancado. Essa experiência desumana o marcou profundamente, e, segundo seu relato, nunca foi superada por completo.
Depois de liberado, Bettelheim foi morar nos Estados Unidos. A partir de 1943, ligou-se à Escola Ortogênica de Chicago, que dirigiu durante cerca de trinta anos e que acolhia crianças classificadas como autistas. De inspiração psicanalítica, esse instituto, no entanto, tinha aspectos paradoxais, pois se chocava com os próprios princípios psicanalíticos de abertura para o exterior e de autonomização dos indivíduos.
Dizia-se um homem do trabalho de campo, mais clínico do que teórico: um clínico cuja prática se inspirava, sobretudo, em princípios filosóficos. Ele afirmava publicamente que tinha plena consciência dos limites de seu saber. Também postulava uma “cura relativa” de seus pacientes, valorizando todos os avanços obtidos por eles, ainda que considerados pequenos aos olhos da sociedade.
Depois que se desligou da Escola Ortogênica, aposentado, continuou muito ativo, escrevendo diversos livros – entre os quais Psicanálise dos contos de fadas, obra inspirada nos relatórios que produziu a respeito dos casos que atendeu e que se tornou um best-seller mundial, bastante conhecida inclusive por educadores brasileiros. Fazia conferências e participava de programas de rádio e televisão. Obteve grande fama na mídia dos Estados Unidos e do resto do mundo, inspirador de adesões apaixonadas e alvo de violentas polêmicas.
A psicanálise dos contos de fadas
Recusando tanto o dogmatismo teórico da IPA (International Psychoanalytical Association) quanto o pragmatismo dos psicanalistas norte-americanos (partidários de uma psicologia adaptacionista), Bettelheim afirmava que as crianças de quem estava encarregado deviam ser tratadas com respeito. Concebeu um “universo terapêutico total”, que fez de seu trabalho um combate permanente, cujo fim – a saída do isolamento no qual as crianças autistas tinham encontrado refúgio – devia justificar os meios. Utilizou técnicas de trabalho ainda pouco valorizadas, como a leitura de contos de fadas para as crianças internadas.
No livro Psicanálise dos contos de fadas, Bettelheim apresentou as histórias como eram contadas em seus primeiros registros, com a presença da violência quase brutal e dos tabus, como o do incesto. Seguindo as ideias freudianas, afirmava que essa violência é inerente ao ser humano e, por isso, atrai tanto a atenção das crianças. Isso explicaria, por exemplo, por que o lobo fascina tanto os pequenos.
O conto de fadas recriava, também, a saga do herói: a busca das origens, o enfrentamento de problemas, a superação dos obstáculos e a obtenção da glória e do sucesso. Essa jornada demonstraria o desenvolvimento interior da criança e os rituais de passagem em suas diversas etapas de desenvolvimento.
Para Bettelheim, essas ficções ajudavam a criança a recriar internamente seus próprios dramas pessoais, pois permitiam que elas se imaginassem na história e aprendessem a lidar com seus conflitos interiores. Por meio dessas narrativas, a criança vislumbrava maneiras de lidar com seus medos, suas falhas, assim como de resolver as questões que se colocavam como obstáculos para seu desenvolvimento.
Algumas ideias desenvolvidas por Bruno Bettelheim

A criança esquizofrênica
Nos Estados Unidos, o diagnóstico de esquizofrenia era aplicado na maioria dos casos de psicose, quer se tratasse de adultos ou de crianças. Esquizofrenia era sinônimo de delírio e de insanidade aguda ou crônica. Mesmo sabendo que um diagnóstico nunca abrangia a riqueza da complexidade clínica, Bettelheim adotou essa classificação, distinguindo três tipos de esquizofrenia:
– No nível mais baixo, o sujeito deixa de agir por si e também não reage a seu meio. Desinveste todos os aspectos da realidade interna e externa. É o caso da criança autista muda.
– No 
nível intermediário situa-se o sujeito que, até certo ponto, ainda age, embora seus atos não estejam de acordo com suas tendências inatas. Todos os seus atos são motivados pela angústia de morte, onipresente em sua realidade interna. Como ele retira o investimento da realidade externa, não pode haver uma interação com essa realidade. É o caso da criança autista não muda.
– No 
terceiro nível da esquizofrenia, encontra-se o sujeito que age, sobretudo, em função de uma realidade externa superinvestida, como prisioneiro de um combate extremamente violento com o mundo externo, que parece hostil e esmagador. Para Bettelheim, essa é a forma menos grave de esquizofrenia.
A criança autista
Para o pensador vienense, o autismo se originaria no encontro defeituoso de um ser com o mundo externo, nos primeiros dois anos de vida. Durante esse período, são os familiares, e mais especialmente a mãe (ou quem ocupa esse lugar), que representam o mundo circundante aos olhos da criança. Para que a criança pequena sinta o desejo de se relacionar com esse mundo, e para que possa desenvolver sua personalidade, suas primeiras trocas e contatos devem se colocar sob o signo da mutualidade.
O psicanalista entendia mutualidade como a relação em que um age com o outro, manifestando sua maneira de ser. Segundo ele, a falta de mutualidade no encontro com a realidade externa constituía o fator principal de retraimento autístico, temporário ou crônico, da criança pequena. Bettelheim atribuiu as consequências da falta de mutualidade pelo lado da mãe, ou de quem ocupava o lugar materno (por exemplo, os cuidadores nos berçários ou os substitutos maternos quando a criança era privada do contato materno por guerras ou perdas precoces).
Diante dessa falha materna, a criança pequena viveria a expe­riência traumática de que seus atos não exerciam nenhuma influência no comportamento da mãe. Suas tentativas de transmitir seus afetos, manifestar suas necessidades e receber uma resposta que ela considera apropriada eram inúteis. Então, para ficar distante da angústia de morte, a criança manteria a imutabilidade de seu mundo interno.
Dessa forma, a criança autista estava alienada numa lógica de sobrevivência. O fechamento de si mesma a protegeria da agressividade do mundo externo. Em seus tratamentos, Bettelheim propunha que a criança autista pudesse viver a experiência de uma mutualidade que faltou no passado, encontrar razões para agir sobre o mundo e desenvolver sua personalidade. Tratava-se de propor à criança um mundo em que ela pudesse entrar em pé de igualdade com o outro. Um mundo que se adaptasse à sua loucura e aos seus sintomas, que eram para ela uma necessidade de sobrevivência.
Dificuldades do fim
No final da vida, aos 87 anos, problemas graves de saúde levaram-no a restringir consideravelmente suas atividades. A morte de sua mulher também o abalou profundamente. Bruno Bettelheim pôs fim à própria vida, asfixiando-se com um saco plástico amarrado a uma borracha.
Um grande escândalo estourou nos Estados Unidos algumas semanas depois de sua morte. Em consequência da publicação, em alguns grandes jornais, de cartas de ex-alunos da Escola Ortogência de Chicago, a imagem do bom “Dr. B.”, como era chamado, se apagava por trás da figura de um tirano brutal, que fazia reinar o terror em sua escola. Acusaram-no então de ele não aceitar nenhum visitante, a não ser, e em condições muito restritivas, as famílias das crianças que ali estavam.
Logo os ataques da mídia norte-americana se estenderam à sua vida e à sua obra. Os atributos de impostor, de falsificador e de plagiário se somaram ao de charlatão – possivelmente por ele não ser médico. Esse tumulto teve pouca repercussão na França, onde ele gozava – em razão do sucesso do seu livro A fortaleza vazia, sobre as origens e o tratamento do autismo, e do programa destinado à Escola Ortogênica, realizado para a televisão francesa em 1974 – de um imenso prestígio que só foi prejudicado pelo declínio geral das ideias filosóficas e psicanalíticas nos anos 1970.


Autor
É psicanalista e escritora. Participa do Grupo Acesso, que realiza estudos, intervenções e pesquisas sobre adoção na Clínica do Instituto Sedes Sapientiae. É consultora de ONGs ligadas à defesa dos direitos humanos e autora de livros infantis e juvenis voltados à formação da cidadania.


O GATO POLÍCIA


DE VOLTA


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Livro contesta o ideal das relações amorosas nos contos de fadas

http://delas.ig.com.br/amoresexo/livro+contesta+o+ideal+das+relacoes+amorosas+nos+contos+de+fadas/n1596854588634.htmlhttp://delas.ig.com.br/amoresexo/livro+contesta+o+ideal+das+relacoes+amorosas+nos+contos+de+fadas/n1596854588634.html
Livro contesta o ideal das relações amorosas nos contos de fadas

Autora de “Troco o Príncipe Encantado pelo Lobo Mau” fala ao Delas e apresenta uma visão irreverente sobre a mulher moderna
Redação, iG São Paulo | 21/04/2011 15:06

"Não quero covardes do meu lado", diz a autora Raquel Sánchez







Um homem malhado, sem camisa e com uma tatuagem no bíceps esquerdo. A capa do livro “Troco o Príncipe Encantado pelo Lobo Mau”, lançamento da editora Fontanar, não retrata exatamente um par romântico de contos de fadas.

Obra de estreia da espanhola Raquel Sánchez Silva, a publicação questiona o comportamento e as expectativas femininas em relação aos relacionamentos amorosos. “Nem sapatinhos de cristal, nem pozinhos mágicos, nem espelho que fala a verdade. Sou mais um supersapato de Manolo Blahnik, sexo de verdade e os melhores elixires da juventude eterna”, brinca ela no livro que pretende ser “um guia para se livrar dos ideais ultrapassados”.

Em entrevista exclusiva ao Delas, Sánchez fala sobre as aventuras sexuais da mulher moderna e como se comportam os estereótipos masculinos:

iG: Eu seu livro, você cita o fim do homem “Don Juan”. Eles estão mudando por uma escolha própria ou esse é um movimento necessário para acompanhar as exigências das mulheres modernas?
 Raquel Sánchez: O Don Juan sempre foi um personagem detestável que a sociedade aplaudia, mas não é mais. Os homens heterossexuais querem continuar participando do jogo da sedução, mas sabem que as regras mudaram. Quem dá as cartas hoje já não é mais o homem sozinho. Agora existe alternância e jogo de poder entre os sexos. Assim, é preciso ser inteligente para conduzir.
iG: O “homem atormentado”, segundo o livro, é o pior tipo no campo da compreensão. Você já topou com um desses na sua vida? Qual é o perfil dele?
 Raquel Sánchez: Um homem atormentado é aquele que entra na sua vida carregando um passado pesado, com fardos, lembranças e arrependimentos, quase todos relacionados com uma ex-namorada difícil ou um sonho não realizado. É preciso fugir da tristeza e de homens assim. É preciso buscar a fantasia, a vida e o sorriso. Conheci muitos, e espero não conhecer outros.
iG: Quem é a Fada Madrinha dos tempos modernos? E por que elas não são confiáveis?
 Raquel Sánchez: Sempre vão existir boas Fadas Madrinhas. Muitas são nossas avós, uma tia maravilhosa, uma desconhecida que um dia muda sua vida com um gesto, um favor, uma frase. Não coloco as mães nessa lista porque elas estão acima de tudo. O que também existe desde sempre são as madrinhas traidoras, aquelas que ganham confiança com sua amizade e depois fazem jogos com você. No livro, concretamente, falo das que roubam o seu namorado.
iG: “Se você levar um bolo, ligue no dia seguinte para dizer que não foi”. Que tipo de vovó, nada parecida com a dos contos de fadas, cantou essa bola pra você?
Raquel Sánchez: Esse é o conselho de uma vovó mágica e sua linda neta, minha amiga Ulia. Sua sabedoria nasce do orgulho e da força. Depois de tomar um bolo, você vai ter que morder a língua para não gritar “Você me deixou plantada esperando e estou magoada!”. Mas você não vai fazer isso. Sua indiferença vai ser o castigo dele para sempre.

Quem quer ser uma chata aos cuidados dos sete anões?
iG: Você tem birra do Peter Pan? Por que diz que ele precisa de uma “Supernanny”?
 Raquel Sánchez: Eu adoro o Peter Pan como personagem. Mas nós não vivemos na Terra do Nunca e sabemos que a infância termina - e a adolescência também. Não suporto homens que têm medo de compromisso e que se agarram em uma juventude fictícia, que chamo de “Síndrome de Peter Pan”. Uma Supernanny poderia fazê-los pensar e perceber algumas coisas, embora eu ache que eles são um caso perdido. Não quero covardes do meu lado.
iG: Qual é a crença mais errada dos contos de fadas, na sua opinião?
 Raquel Sánchez: A maioria deles é cruel, irreal, anacrônico. Detesto todas as mulheres que apostam sua felicidade na conquista de um homem: um príncipe que desperta com um beijo as Brancas de Neve e as Belas Adormecidas, o príncipe que resgata a Cinderela de sua prisão. Nenhuma delas pode dar conta de sua fuga e felicidade sozinhas. São retratos de mulheres frágeis e castigadas por sua curiosidade, pelo tear de tecidos, pela maçã... É detestável por ser tão manipulador.
iG: O que o lobo mau tem de bom que o príncipe não tem?


 Raquel Sánchez: O lobo feroz tem pegada e sabe enlouquecer você. O príncipe te leva no seu cavalo branco, mas seus beijos deixam você fria. É preciso escolher ou encontrar uma combinação possível (é difícil encontrar o híbrido, mas ele existe). Na realidade, todas queremos o mesmo: um lobo apaixonado sábado à noite, e um príncipe doce que nos acorde aos domingos de manhã.

História dos contos de fadas

FONTE: http://brasilescola.uhttp://brasilescola.uol.com.br/literatura/historia-dos-contos-fadas.htmol.com.br/literatura/historia-dos-contos-fadas.htm




História dos contos de fadas
Literatura

A história dos contos de fadas revela suas origens na tradição oral, compiladas por Charles Perrault, Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen.
Você conhece a história dos contos de fadas?


These illustrations came from:
Lang, Andrew, ed. The Blue Fairy Book. H. J. Ford, illustrator. New York: Dover, 1965. (Original published 1889.) 

Os contos de fadas pertencem à Literatura Infantil, mas nem por isso deixam de encantar pessoas de várias idades ao redor do mundo. Considerados clássicos da literatura mundial, os contos de fadas têm origem em tempos remotos e nem sempre se apresentaram como os conhecemos hoje. O aspecto fantasioso e lúdico que hoje os envolve surgiu da necessidade de minimizar enredos controversos e polêmicos, próprios de uma época em que a civilização ainda não havia inventado o conceito que hoje conhecemos tão bem: a infância. Chamamos de contos de fadas porque são histórias que têm sua origem na cultura céltico-bretã, na qual a fada, um ser fantástico, tem importância fundamental.
A primeira coletânea de contos infantis surgiu no século XVII, na França, organizada pelo poeta e advogado Charles Perrault. As histórias recolhidas por Perrault tinham origem na tradição oral e até então não haviam sido documentadas. Oito estórias foram contempladas, A Bela Adormecida no Bosque; Chapeuzinho Vermelho; O Barba Azul; O Gato de Botas; As Fadas; Cinderela ou A Gata Borralheira; Henrique do Topete O Pequeno Polegar. Sendo assim, a Literatura Infantil como gênero literário nasceu com Charles Perrault, mas só seria amplamente difundida posteriormente, no século XVIII, a partir das pesquisas linguísticas realizadas na Alemanha pelos Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm).
Ao realizar suas pesquisas linguísticas, que tinham por objetivo descobrir invariantes linguísticas originárias nas narrativas orais, os Irmãos Grimm descobriram um variado acervo de histórias maravilhosas disseminadas de geração para geração. Formaram, assim, a coletânea que reuniu contos como A Bela Adormecida; Branca de Neve e os Sete Anões; Chapeuzinho Vermelho; A Gata Borralheira; O Ganso de Ouro; Os Sete Corvos; Os Músicos de Bremen; A Guardadora de Gansos; Joãozinho e Maria; O Pequeno Polegar; As Três Fiandeiras; O Príncipe Sapo e dezenas de outros contos. Contudo, ao documentar as estórias, os Irmãos Grimm, influenciados pelo ideário cristão que já dominava o pensamento da época, fizeram diversas alterações no enredo de alguns contos, já que esses muitas vezes apresentavam aspectos polêmicos com episódios de violência ou maldade, envolvendo, inclusive, crianças. Exemplo disso é a narrativa de Chapeuzinho Vermelho. Na versão de Charles Perrault, quando ainda não havia a preocupação em adaptar os contos recolhidos da tradição oral, não existia a figura do Caçador (figura que surge para salvar a menina e sua avó de um possível final trágico). Chapeuzinho Vermelho ficava nua, deitava-se com o lobo e morria devorada por ele. Em outra versão ainda mais obscura, a menina era enganada pelo lobo que a induzia a comer a própria avó cozida, além de beber seu sangue servido em uma taça de vinho. Bom, já deu para perceber que a estória que conhecemos é bem diferente da original, não é mesmo?




 Little Red Riding Hood by Warwick Goble

Na versão dos Irmãos Grimm, Chapeuzinho Vermelho e a avó são salvas, o que evita um desfecho trágico. Na versão de Perrault, elas não foram poupadas
O acervo da Literatura Infantil Clássica seria completado pelas histórias do dinamarquês Hans Christian Andersen, que seguiu a estrutura defendida pelos Irmãos Grimm. As estórias deveriam ser permeadas pelos mesmos ideais, defendendo valores morais e a fé cristã. Um aspecto importante difere as estórias de Andersen das narrativas anteriores, pois, baseado na fé cristã, criou elementos que falavam às crianças sobre a necessidade de compreender a vida como um caminho tortuoso a ser percorrido com retidão e resiliência para que enfim, na morte, o céu fosse alcançado. Os contos de Andersen são considerados os mais tristes, pois muitos deles não apresentam um final feliz. A história A Pequena Vendedora de Fósforos é um exemplo que ilustra bem o estilo de Andersen.




No conto de Hans Christian Andersen, a menina vendedora de fósforos morre de frio e de fome, ignorada pelos transeuntes.
Ao analisarmos a origem dos contos de fadas, podemos perceber as profundas alterações que o gênero sofreu ao longo do tempo, alterações feitas para diminuir o impacto negativo das estórias originais. Claro que devemos observar que os tempos eram outros e ainda não havia uma preocupação com aspectos lúdicos que hoje são tão importantes para a formação dos pequenos. Hoje é sabido que temáticas consideradas violentas podem influenciar negativamente as crianças e por isso não aceitamos a linguagem original empregada nas primeiras versões dos contos. Mas, em uma leitura mais atenta, ainda é possível perceber resquícios do universo assustador que habitava as estórias originais. Fica então um convite: revisite os clássicos infantis e descubra neles traços sombrios e sinistros que comprovarão uma origem nada romântica.



Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:
PEREZ, Luana Castro Alves. "História dos contos de fadas"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/literatura/historia-dos-contos-fadas.htm>. Acesso em 22 de maio de 2017.

Contos de fadas ensinam as crianças a lidar com seus medos




Reportagem
Contos de fadas ensinam as crianças a lidar com seus medos 

Hansel and Gretel
by Wunsch



Por Patrícia Mariuzzo
10/10/2007


“Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esta criança que tem medo de careta”. O universo das crianças é povoado de monstros. Em músicas, filmes, literatura infantil, os monstros são acionados das mais diversas maneiras. Eles não suscitam apenas medo, pânico, mas também paixão, fascínio. Isso acontece porque o boi, a bruxa, o lobo mau, o ogro, o gigante, todos eles são essenciais no desenvolvimento psíquico da criança. A infância é a época em que as fantasias precisam ser nutridas, é a época de em que há necessidade de inventar para enfrentar a realidade e disso vai depender boa parte da nossa personalidade futura. Os monstros são uma representação simbólica que a criança utiliza para lidar com a realidade e, assim como os outros personagens dos contos de fadas e fábulas com os quais a criança entra em contato na infância, eles são parte do imaginário, dão movimento, luz e som aos sonhos para, no fim, expulsar o medo do escuro.
As histórias são um pontapé inicial para uma vida mental saudável. Segundo o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990) em A psicanálise dos contos de fadas, a verdade na vida de uma criança é diferente da noção de verdade do adulto. Os contos de fada não tentam descrever o mundo externo e a realidade. Uma criança sadia nunca acredita que esses contos descrevam o mundo realisticamente. Oferecer à criança pensamento racional para que ela organize seus sentimentos e compreenda o mundo só vai confundi-la e limitá-la. “A verdade dos contos de fada é a verdade da nossa imaginação”, diz ele em seu livro.


Carolina Caldas tem nove anos. Ao escrever um texto sobre monstros ela diz o seguinte: “Existem dois tipos de monstro: o da imaginação e o da realidade. Para mim o monstro da realidade é o mais medonho... porque ele é de verdade! As vezes é porque a pessoa é muito brava, feia ou chata. Por isso eu costumo considerá-la um monstro!” O pensamento infantil é naturalmente exagerado, nele tudo ganha proporções dramáticas. Nos contos de fadas, as crianças encontram semelhanças no modo de ver o mundo. Assim, elas depositam nos monstros seus medos advindos da consciência de que os adultos são seres separados delas, que nem sempre estão por perto e, o que é mais assustador, são vulneráveis. Para a psicóloga Adriana Mangabeira, do Colégio Equipe, da cidade de São Paulo, o jogo é, por excelência, a melhor situação para lidarem com isso. “Suponho que, para aceitarem o jogo, precisam discriminar o real do faz-de-conta, ou seja, embora sintam medo, sabem que no jogo é como se aquilo estivesse acontecendo. Na brincadeira, podem contrapor, ao medo e à excitação, a certeza de que estão seguros pelo amparo do adulto que as acompanha. Identificando-se com o monstro, são fortes. Fugindo dele e conseguindo se safar, dominam sua figura e seu medo dela. Em geral, repetem exaustivamente o contato com os enredos e as brincadeiras, obtendo cada vez maior controle da situação”, explica.


These illustrations came from:
Crane, Lucy, translator. Household Stories from the Collection of the Brothers Grimm. Walter Crane, illustrator. London: Macmillan & Co., 1882.

Ausência e separação 

Medo e excitação, realidade e fantasia se revezam nos jogos usados para entender o real. E, tanto no mundo real quanto no conto de fadas, é fundamental a presença do adulto, isto é, do pai, da mãe ou do educador. O grande potencial do conto de fadas é sua capacidade de falar, metaforicamente, sobre a estrutura familiar e sobre conflitos psíquicos naturais do ser humano, como o medo da morte ou o medo da separação. Segundo Celso Gutfreind, psiquiatra da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) psiquicamente o monstro é aquilo que desconhecemos, nos desagrada ou que não entendemos. “O medo do pai, a falta da mãe são coisas muito ameaçadoras para a criança”, explica. “O monstro é uma possibilidade de representar esses sentimentos. O contato com estas histórias permite às crianças falar sobre o assunto e elaborar os conflitos. É um pretexto para o diálogo”, acrescenta. Segundo Mangabeira, após a leitura de histórias do saci, curupira, mula-sem-cabeça, lobisomem etc. num grupo de trabalho do Colégio Equipe, as crianças ficaram mais à vontade para expressar seus sentimentos. “Elas se mostraram aliviadas por saber que os outros sentiam os mesmos medos que elas”, conta.
A relação da criança com seus pais e educadores é de amor e ódio. Esse ódio é natural, mas, culturalmente, não pode ser expresso. Em entrevista para a revista Época , os psicanalistas Diana e Mário Corso, autores do livro Fadas no divã , explicam que no pensamento infantil tem incesto, execuções sumárias e massacre de todos aqueles que se interpuserem entre a criança e seus desejos. “Os contos de fadas administram essa pequena loja de horrores da mesma forma que as crianças: neles tudo pode ser aludido, sem que nada tenha que ser explicitado”, disseram. O monstro do conto de fadas oferece uma possibilidade de representar esses afetos. Assim, por meio da bruxa, é possível dar sentido para o ódio sentido pela mãe, a vontade de morder, comum em toda criança, pode ser amenizada pela figura do lobo mau, com uma boca enorme, que devora a vovozinha.
O primeiro grande desafio da criança é criar vínculos com duas figuras principais: o pai e a mãe. Para ela se desenvolver bem, esse encontro com seus cuidadores tem que ser satisfatório, caso contrário podem ocorrer problemas psicológicos e físicos. O psiquiatra Celso Gutfreind participou de uma pesquisa em abrigos franceses para crianças separadas dos pais em caráter temporário, por medida judicial. Crianças com problemas de carência afetiva ou com problemas de transtorno de comportamento foram submetidas à terapia em grupo onde o mediador era o conto de fadas. A terapia era parte da política de saúde na França para promover a reaproximação com os pais. Segundo o pesquisador, as crianças tratadas progrediram significativamente. Um dos resultados foi incrementar o vínculo delas com o educador que assumiu o papel de representante, mas não substituto, da figura materna. “Além disso, por meio das histórias, pudemos manter viva a figura da mãe, a imagem da família, da qual eles estavam afastados”, explica. “A hora da leitura é um momento especial onde a criança recebe atenção total de seus pais, por isso é muito importante para ela. Os contos são um momento de aproximação que proporcionam um encontro real com o outro”, completa.
Shrek x Encantado 
O que é monstruoso ou o que gera medo varia de uma pessoa para outra, conforme a família, a cultura, a época. Na opinião de Gutfreind, violência, insegurança, solidão são os grandes medos dos nossos dias. “Nossa época é um tempo de grande quebra de vínculos. Dependendo do que nos amedronta, nos identificamos com um ou outro personagem”, diz ele. Ocorre, portanto, um processo de identificação muito particular que faz com que um monstro absolutamente ameaçador para uma criança, faça outra rir. Um exemplo dessa inversão acontece com a pequena Boo do filme Monstros S.A. . Ao invés de se assustar com a dupla de monstros Mike e Sullivan, a menina se afeiçoa a eles. O filme mostra ainda como as crianças de hoje não se assustam com qualquer coisa.
Outro exemplo de inversão está na trilogia Shrek onde os papéis de príncipe e monstro são trocados. O ogro é o herói e o belo cavaleiro é o vilão. Para Diana e Mário Corso, o que importa é que a ficção seja capaz de fazer a criança pensar e a faça ir adiante, que forneça elementos para que ela, ao mesmo tempo, solte sua imaginação e resolva seus conflitos. Segundo eles, a ficção que criamos e consumimos é eloqüente, ilustrativa, de um tempo e sua gente. As histórias infantis não prosperam se o que elas têm para oferecer não for o que serve ao seu público. Uma característica em comum de novos produtos culturais como Shrek Harry Potter e os contos de fadas é que eles tentam atingir pais e filhos, permitindo um diálogo entre as gerações. O medo do desconhecido continua por toda a vida, assim os adultos também precisam de metáforas para lidar com isso. A diferença é que no adulto a capacidade de diferenciar o que é real do que imaginário é mais desenvolvida.
A imaginação é um instrumento fundamental de elaboração e construção da nossa identidade. Sair de casa, expulsa pela madrasta, enfrentar um ogro, encontrar no amor a solução de todos os males, travar uma luta mortífera com figuras poderosas e aventurar-se na floresta, virar comida de uma bruxa; situações aparentemente absurdas podem ilustrar nossos conflitos inconscientes. “O mundo pode ter mudado totalmente, mas tornar-se mulher ou homem, assim como enfrentar o crescimento e a morte ainda são nossos problemas. No que diz respeito a essas questões, tudo mudou para que pudesse continuar do mesmo jeito”, finalizam Mário e Diana Corso.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

As mais belas histórias - Carta Capital

https://www.cartacapital.com.br/cultura/as-mais-belas-historias



Cultura

Crônica do Villas

As mais belas histórias

por Alberto Villas — publicado 11/03/2016 02h23
Entre elas, a que fez aprender a não pegar doces escondido


No final de cada capítulo de Fala, memória que estou lendo, paro pra pensar. De noite, como Vladimir Nabokov, coloco a cabeça no travesseiro na tentativa de esmiuçar a memória, ir o mais longe possível para reconstruir a caminhada, passo a passo, desde pequenininho. Até adormecer. 
De manhã, quando vejo um fio de claridade no canto da janela do meu quarto, retomo. Insisto nos sete anos de vida quando, de calça curta ia caminhando pela Rua Lavras até chegar ao Colégio Marista, onde estudava. 
Por enquanto, não me lembro de nada do segundo ano primário, do terceiro, do quarto, do exame de admissão. Lembro-me perfeitamente do primeiro ano, quando Dona Maria Augusta Toscano colocou nas minhas mãos um livro chamado As Mais Belas Histórias, de Lúcia Casasanta. 
Foi num dia de muito frio, chuva e vento. Antes de começar a aula de Língua Pátria, Dona Maria Augusta fechou a porta da sala, uma porta enorme de madeira maciça e vidro fumê, e disse: 
- Vamos fechar porque senão daqui a pouco teremos picolé de Alberto. 
Eu sentava bem perto da porta, um lugar privilegiado que dava para assistir as aulas e ver o movimento lá fora, um professor que passava, uma faxineira que varria o chão, pardais e pombos que chegavam em busca de farelos de pão. 
Minha professora tinha uma pilha de livros em cima da mesa, todos eles meio estropiados, judiados pelo tempo. Mas as mais belas histórias ali dentro, estavam intactas.
Foi nesse dia que comecei a pegar gosto pela leitura. As histórias do livro tinham uma linguagem simples e eu, que acabara de aprender a ler, conseguia ir até o fim de cada uma delas, acompanhando a leitura com uma régua que ia deslizando, frase por frase.
Era uma vez, Dona Cutia que não podia viver sossegada com as amolações dos outros bichos. Uns pediam-lhe água, outros comida, outros lenha. Uns iam visitá-la, outros faziam barulho na porta da casa. Não lhe davam um minutos de sossego. Até de noite os bichos vadios gritavam.
- Vamos à casa de Dona Cutia.
Foi paixão à primeira vista por esse livro, que tinha uma capa azul e desenhos de um espantalho, um coelho, um porquinho, três crianças, um príncipe, uma bruxa e uma Rapunzel jogando suas tranças da janela de um castelo. 
Dona Maria Augusta deixava os alunos levarem os livros pra casa, contando que não os estragassem e que trouxessem de novo para o colégio, no dia seguinte. 
Ia pegando gosto pela leitura a cada história que lia. Que me perdoe, Vladimir Nabokov, mas não me lembro de todas. Um dia vou conseguir buscar na minha memória todas elas, uma a uma. 
A galinha de tia Micaela
Guilhermina, a desastrada
Plantem árvores, meninos
Guilhermina, a desastrada, se não me falha a memória, era a história de uma menina que saiu de casa para comprar um litro de leite, no tempo em que leite vinha numa embalagem de vidro. Ela vinha sonhando com um mundo cheio de coisas que ela queria, quando tropeçou e quebrou o litro de leite, jogando seus sonhos pelo ralo. 
Eu nunca me esqueci da história daquela outra menina que foi a uma festa de aniversário e, muito gulosa, pensou em levar, escondido, um punhado de doces pra casa. Ela carregava uma sombrinha nas mãos e foi dentro da sombrinha que foi colocando os cajuzinhos, os canudinhos, os olhos de sogra, os bombons recheados com uva verde.
Despediu-se de todos e quando saiu, viu que estava chovendo. Esqueceu-se que dentro da sombrinha tinham todos aqueles doces que havia furtado e abriu, na frente de todos. Voou doces para todos os lados e ela quase morreu de vergonha.
Li e reli essa história inúmeras vezes. E cada vez que lia, sofria com aquela menina que tanta vergonha passou.
Caro Vladimir Nabokov, tenho certeza que foram essas histórias que me fizeram gostar tanto de ler e também de contar histórias. E acho que essa última, em particular, me ensinou também a nunca  pegar um doce numa festa e levar pra casa, escondido. 


Alberto Villas - Jornalistas e escritor, acaba de lançar o e-book "Mil Tons, o meu Millôr", pela editora e-galaxia.