quinta-feira, 11 de maio de 2017
quarta-feira, 10 de maio de 2017
OS TRÊS PORQUINHOS
Este era o pré-livro. Era o método de alfabetização "Global", o mesmo de Lili - o livro de Lili utilizado até o início dos anos 60. Para saber mais visite http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/metodo-global.
terça-feira, 9 de maio de 2017
segunda-feira, 8 de maio de 2017
SOBRE AS MAIS BELAS HISTÓRIAS - Edélzia Cristina Sousa Versiani
Disponível: Biblioteca da Faculdade de Educação (FAE).
Localização na estante: 372.6044 C335m
Referência: CASASANTA, Lúcia Monteiro. As Mais Belas Histórias. Belo Horizonte: Editora do Brasil em Minas Gerais, 1958. (Série As Mais Belas Histórias, 1-5).
Lúcia
Schmidt Monteiro de Castro nasceu em Santa Luzia-MG (1908-1989). Adotou
Lúcia Monteiro Casasanta como nome de casada. Uma das mais importantes
educadoras do país, a escritora mineira estudou em Ouro Preto, Belo Horizonte e
especializou-se em Metodologia do Ensino da Língua Pátria, na Universidade de
Columbia, em Nova Iorque. A partir da sua formação na Escol
Normal, em 1926, dedicou-se de forma brilhante e exemplar à educação. Foi defensora do Método Global de Contos para o ensino da leitura, com enfoque na formação de leitores e criou a primeira biblioteca infantil no Brasil e a primeira clínica para tratar das dificuldades de leitura e da dislexia.
Normal, em 1926, dedicou-se de forma brilhante e exemplar à educação. Foi defensora do Método Global de Contos para o ensino da leitura, com enfoque na formação de leitores e criou a primeira biblioteca infantil no Brasil e a primeira clínica para tratar das dificuldades de leitura e da dislexia.
“As
Mais Belas Histórias”, obra
célebre de Lúcia Casasanta, faz parte do imaginário literário de várias
gerações, pessoas de 7 a 100 anos. Interessante como essa série didática
conseguiu e ainda consegue encantar diversas gerações das mais variadas
origens. Certamente, essa obra fala diretamente ao inconsciente dos leitores
que, ávidos de contato com as coisas mais simples e puras da vida, se
identificavam de chofre com essas histórias. Histórias cheias de encantos, sem
serem necessariamente contos de fadas de mundos muito distantes. Pelo
contrário, falam daquilo que está ao nosso redor, no nosso dia a dia, da vida
no campo, da ingenuidade das crianças e dos adultos, dos pobres, das aventuras
dos animais, modernamente ligada à ecologia. Fruto de uma mente fértil e
saudosista, As Mais Belas Histórias narra o que cala fundo na emoção
do leitor, que é capaz de vivenciar personagens, situações e aprendizado,
eternizados na sua mente.
Ao
reler essa obra, recordo das ilustrações e do não entendimento das letras,
porque ainda não sabia ler e já manuseava esses livros, incentivo para me
tornar assídua leitora e futura profissional dos livros e da informação.
De
tão interessante se faz essa obra, que verifico, por vários meios, digitais e
analógicos, a busca do resgaste de pelo menos uma de suas histórias. Muitos têm
esses livros como verdadeiras jóias, raridades que gostariam de novo folhear,
ler, recordar e repassar para filhos, sobrinhos, netos... Que emoção
proporcionar aos pequenos o privilégio de conhecer e se embalar nas histórias
dos Três Porquinhos, Joca, Rapunzel (- “Rapunzel! Lance-me suas tranças!”),
João Jiló ([...] “- Ai! João Jiló! Atire devagar, João Jiló, porque dói, dói,
dói, João Jiló!”), Epaminondas, A Cabra Cabriola, João Felpudo e tantas outras
narrativas da maravilhosa lavra dessa emérita professora. As Mais Belas Histórias
... obrigada, Casasanta, pela Festa no céu, que nos ensina a pedir para nos
jogar na pedra!
Edélzia
Cristina Sousa Versiani
Bibliotecária
do Instituto de Ciências Agrárias
Edélzia Sousa
Bibliotecária
ICA/UFMG
Era uma vez... E ainda é
Era uma vez... E ainda
é
Por
Andrea Pires Magnanelli
Ao entrar em
uma sala de aula com crianças de cinco anos, carregando um livro de contos de
fadas, um professor carrega mais que um livro. Mais que um simples conto.
Quando o professor é um bom contador de histórias, o olhar daquelas crianças
fica fixo, mas a mente voa.
Como esses contos tornaram-se
clássicos, se a narrativa acontece em palácios ou florestas e isso é tão
distante da maioria das crianças, visto que não é comum encontrar palácios na
cidade de São Paulo? E, apesar de existirem poucas florestas na nossa cidade,
os jovens dão um jeito de se embrenhar em matas desconhecidas apesar do aviso
de perigo dos pais.
Os contos trazem conflitos pertinentes
à vivência humana que permeiam diversas gerações. Eles trabalham com o conteúdo
humano, com aquilo que muitas vezes fica escondido como a rivalidade fraterna,
sensações edípicas, desejar a “morte” do pai do mesmo sexo... Desta forma, o
conto de fada irá mostrar às crianças, de uma maneira subjetiva e em alguns
pontos objetivamente, que a vida trará algumas dificuldades. A luta e a
descoberta não acontecem da noite para o dia. O herói ou a heroína passam por
diversas provas e essas devem ser realizadas por eles mesmos: “A única forma de
nos tornamos nós mesmos é através de nossas próprias realizações”. (Bettelheim,
1980:173).
A sociedade
atual, globalizada, está cada vez mais tornando-se individualista e em busca de
uma beleza externa perfeita, enquanto o mágico se esvai prematuramente.
Todos os dias há notícias de violência
na televisão, seja filho matando os pais ou pais descontrolados espancando seus
filhos.
Há também
muitos programas que expõem a criança a uma sexualidade precoce. Seja programa
infantil, novela ou “reality shows”. Uma reportagem da revista Educação,
mostra-nos que os partos cresceram em 31% entre meninas de 10 a 14 anos – idade
que a menina não tem maturidade psicológica, principalmente para criar um
filho. As dúvidas e as angústias por que passam, crianças e jovens, são hoje
respondidas de forma erotizada pelos meios de comunicação, especialmente a
televisão. Sem contar o fácil acesso a sites da internet.
O resgate da
magia da leitura dos contos de fadas não será a solução dos problemas mundiais,
no entanto, como eles atuam também no inconsciente, podem ajudar muito a
criança a eliminar/entender o(s) conflito(s) pelo qual está passando no momento
que entra em contato com a leitura e/ou a escuta deles.
Existem
diversas interpretações e análises para os contos de fada. É importante
ressaltar que este artigo tem como respaldo a linha psicanalítica, levando em
conta as teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Além disso, a escolha dos
contos de fadas para a leitura foi cuidadosa, no sentido de procurar as
traduções mais próximas das edições originais.
“Não é surpreendente descobrir que a
psicanálise confirma nosso reconhecimento do lugar importante que os contos de
fadas populares alcançaram na vida mental de nossos filhos. Em algumas pessoas,
a rememoração de seus contos de fadas favoritos ocupa o lugar das lembranças de
sua própria infância; elas transformaram esses contos em lembranças
encobridoras”. (Freud, 1913:355).
Os contos
surgem a partir dos mitos e tradições orais, alguns datados do século II d.C..
Eles sofreram e sofrem modificações em sua estrutura, não apenas por razões
externas, mas também por razões internas ao do próprio contador. Nas versões
escritas por Perrault, por exemplo, ele acrescenta preceitos morais, já que
esses contos eram usados para a diversão na corte de Versalhes.
Nos dias
atuais, essas alterações também ocorrem acarretando muitas vezes uma
modificação no enredo da história para parecer menos “chocante” aos olhos da
sociedade. Os autores dessas mudanças acreditam que a perversidade existente
nos contos podem influenciar as crianças de forma a estas tornarem-se
“violentas”, no entanto, parece não querer ver que os conflitos existentes nos
contos são os conflitos internos pelos quais as crianças passam.
As histórias
dos contos de fadas, independente do local de origem, passam-se em lugar e
épocas inexistentes (“país muito longe”, “numa floresta encantada”, “há muitos
e muitos anos”...). Esta é uma das razões da fácil migração e entendimento em
várias culturas e por várias idades, já que os contos tratam de conflitos que
permeiam toda a base humana universal. Ou seja, os contos são atemporais, assim
como o Id.
Os principais
autores e adaptadores de contos de fada são Charles Perrault (França), Hans
Christian Andersen (Dinamarca) e Jakob e Wilhelm Grimm (Alemanha) – estes
últimos mais conhecidos como “Os irmãos Grimm”.
Mas, afinal, qual a relação entre
contos de fadas e a subjetividade infantil? Quais os conteúdos presentes em um
conto que possibilitam a uma criança elaborar seus conflitos? É impossível
detalhar cada trecho e cada passagem de todos os contos, não apenas pelo número
volumoso de contos, mas principalmente porque cada conto tem uma importância
diferente para cada criança em períodos diferentes de sua vida.
Como se
constitui um sujeito? Quais os conflitos que vive? Lacan, apropriando-se de
Freud, nos oferece referenciais partindo do Estádio do Espelho. Este Estádio,
descrito por Lacan, começa aproximadamente aos seis meses de idade. É através
dele que a criança começa a conquistar sua imagem corporal, através do discurso
e do desejo do outro (mãe).
De que forma
os contos de fadas expressam esse momento e seus conflitos? Como ilustração
podemos citar o conto: O patinho feio. Nesta história de Andersen, uma pata
choca seus ovos e quando estes se quebram um sai diferente de todos os outros.
Feio. Apesar de nadar muito bem, o patinho é desprezado pelos seus irmãos, pela
comunidade dos patos e por sua mãe que diz: “Eu queria ver você bem longe
daqui!” (Andersen, 1995:110).
O patinho
começa a achar que ele é realmente muito feio, então foge. Durante sua viagem
passa por dificuldades e seus infortúnios são responsabilizados pela sua
feiúra. Até que em um momento, ele vê os cisnes e vai ao encontro desses, mesmo
correndo o risco de levar bicadas. Chegando lá:
“(...) O
pobrezinho abaixou a cabeça, olhando para a água, e esperou. Mas que foi que
ele viu na água límpida? Por baixo de si, viu sua própria imagem; só que sua
imagem não era mais de um desajeitado pássaro cinza-escuro, feio e repelente.
Ele era um cisne!” (Andersen, 1995:118).
O patinho, na
verdade um cisne, já havia nadado antes em outros lagos. Porém, olhava-se
através do olhar do outro, assujeitado ao desejo e olhar do outro –
principalmente daquela que exerce a função materna. Saindo para o mundo,
crescendo, quando volta a olhar sua imagem ele já vê um lindo cisne branco e
não apenas um pato cinza feio – saída dessa assujeitação. É nesse Estádio que a
criança começa aos poucos perceber que seu corpo, até então sentido como
fragmentado, é algo único. É através dessa experiência, com a mediação do
outro-mãe (mãe, enquanto função materna), que a criança começa estruturar seu
eu e a conquistar a sua imagem corporal.
Essas
identificações que as crianças fazem com os contos são facilitadas pela não
especificidade de tempo e local. A identificação com os personagens é
facilitada pela ausência de nome próprio. Normalmente o nome é relacionado às
características físicas, como por exemplo, Branca de Neve e Cinderela ou Gata
Borralheira (o nome origina de cinders, que significa borralho), um dos únicos
nomes próprios que aparece é João – freqüente em muitas histórias – e Maria).
Nos contos, a idade das princesas, reis, rainhas, bruxas, príncipes, etc. não é
definida sendo possível transitar por todos os personagens em momentos
diferentes de nossa vida.
No conto há o
personagem malvado, que geralmente é nominado e aparece sob a descrição da
madrasta da “Branca de Neve”, a bruxa da casa de chocolates de “João e Maria” e
o gigante que mora nas nuvens na história “João e o pé de feijão”. Ou seja, a
maldade pode estar presente em todos nós. Nos contos, os personagens não têm
ambivalência: ou são bons ou são maus – da mesma maneira que a criança pensa: a
mãe má não pode ser a mãe boa.
Na atualidade,
muitos contos aparecem de forma distorcida do original. Um grande exemplo
disso, são os desenhos animados de Walt Disney, que subtraem passagens
consideradas mais fortes com o objetivo de não assustar ou chocar as crianças,
“evitando” o conflito. Não podemos generalizar, algumas histórias de Disney
merecem a devida atenção como O rei leão e a mais nova animação, Procurando
Nemo. No entanto, quanto à adaptação de contos de fadas clássicos, estes
aparecem distorcidos e amenizados.
Os contos no
original podem chocar alguns adultos, é “assustador” um lobo que come uma
menina (Chapeuzinho vermelho) ou uma sereia que arranca sua própria língua em
busca do amor de um humano (A
Sereiazinha) ou um rapaz que procurando o medo retira sete enforcados da forca
para aquecê-los (O homem que saiu em busca do medo). Muitos adultos olham as
crianças sob a lógica do adulto e não sob a fantasia da criança.
Quando pequena,
a criança pode ser bem agressiva: bater no irmão, não sair de perto da mãe,
morder o colega da escola... a medida que cresce e começa a socialização a
criança fala, ao invés de agir – simbolizando. E o conto é exatamente a escrita
de uma simbolização, de um mundo onde a criança pode extravasar seus anseios,
medos e necessidades.
Escondendo a
dor, a perda, a violência dos contos, esconde-se o que há de mais verdadeiro
nessas histórias. O conto não deve ser só feito de imagens boas, pois não deve
ser uma fuga para as crianças se esconderem em um mundo de faz de conta. Mas,
conter as passagens de medo, angústia, vingança como um meio da criança
simbolizar seus próprios conflitos.
O enredo dos
contos de fada também reproduz as histórias de vida das crianças, pois nele o
herói sai de casa, passa por privações, enfrenta perigos e conhece a maldade,
triunfando no final da história. Na vida, a criança passa por estas
modificações: precisa sair de casa. Desligar-se dos pais. Ir para escola, fazer
amigos, saber evitar situações de risco, explorar o mundo a sua volta.
A criança tem
relação de total indistinção com a mãe nos primeiros meses de vida. A criança é
o desejo da mãe. Essa quebra se dá com a interdição ao incesto que a função
paterna realiza. A partir desse momento a criança, volta-se para a cultura.
Para o Outro. E o conto de fadas entra como este Outro, pois também pode ajudar
na separação dessa relação mãe-criança. Isso acontece, pois, de maneira
simbólica, o conto atua no psíquico da criança.
Podemos tomar
como exemplo o conto de Andersen, A Polegarzinha. Nesta história, uma mulher
deseja muito ter um filho, então pede ajuda a uma feiticeira que lhe dá um grão
de cevada - semente. A partir do beijo da mãe, a flor se abre e nasce a filha,
como é muito pequena, recebe o nome de Polegarzinha. Um dia, enquanto está
dormindo, uma sapa a seqüestra para casar-se com o filho sapão. No entanto, a
menina foge com a ajuda dos peixes. Um besouro a pega para casar-se com ele,
mas todos os outros insetos dizem que Polegarzinha é muito feia. Depois de ser
deixada pelo besouro a personagem acredita ser feia. Ela encontra-se, então,
com uma rata, e esta também quer realizar o casamento da Polegarzinha com o
vizinho toupeira, por este ser rico e inteligente. Enquanto está na casa da
rata, a menina salva uma andorinha e esta depois ajuda sua salvadora a fugir do
casamento, levando-a para um lugar onde há outras pessoas como ela – pequena
como o dedo polegar. Lá então Polegarzinha conhece um homem com quem se casa.
Esta pequena
história nos mostra que Polegarzinha vive segundo os desejos do Outro. É sempre
levada, carregada para os lugares sem ser questionada. Quando a andorinha
aparece, a personagem faz uma escolha, pois lhe é feita uma pergunta: “O frio
inverno está chegando – disse a pequena andorinha – Estou de viagem para as
regiões quentes. Você quer vir junto?” (Andersen, 1995:34).
A criança
quando pequena, é o desejo da mãe, tem medo e gosta daquilo que a mãe gosta.
Para ilustrar, transcrevo um trecho da fala de uma paciente de Maud Manonni: “A
fumaça”, diz Isabelle, “arde nos olhos das crianças. Elas têm medo. No fundo
elas não têm medo, é porque a mamãe tem medo que elas têm o medo da mamãe(...)”
(Manonni, 1988:137).
O conto
ilustra Polegarzinha presa ao desejo dos outros até que toma sua decisão e
parte, libertando-se dos desejos dos outros e tornando-se um sujeito desejante.
Agora, já caminha com seus próprios pés, sem precisar ser levada pelos outros.
A pesquisa
realizada para este artigo apenas está começando. Este é um pequeno apanhado de
quantas significações e significados podemos encontrar em uma literatura de tão
fácil acesso como os contos de fadas. Para percorrer este caminho agi um pouco
como Chapeuzinho Vermelho, ao olhar pelos cantos. Em alguns momentos saí da
trilha, mas logo retomei o meu rumo. Em outros, fiquei como a Bela Adormecida,
esperando o momento para despertar e então escrever mais algumas linhas. Em
outras, sendo ousada, como a menina que percorre o mundo em “Os sete corvos”.
Os contos de
fadas vêm mobilizando milhares de crianças, jovens e adultos durante muitas
décadas. Muitos trazem lembranças, sejam boas ou más, de algum conto em
particular. Como cada um vivencia um conto é único.
* Este artigo baseia-se na monografia
“Era uma vez...” - os contos de fada como mediadores no trabalho
psicopedagógico para uma possível resolução diante dos conflitos internos
infantis.
Andrea Pires Magnanelli é especialista em psicopedagogia na
PUC-SP.
Referências Bibliográficas:
ANDERSEN, Hans C. Histórias maravilhosas de Andersen. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREUD, Sigmund. A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos
de fadas. Obras Completas de Sigmund Freud. Volume XII, 1913.
MANNONI, Maud. Efeitos da reeducação em uma
criança neurótica. In: A
criança retardada e a mãe. São Paulo: Martins Fontes,1988. p.
125-146
A verdadeira moral da história
A verdadeira moral da
história
O segredo do sucesso dos contos de fadas é o seu poder de estimular
nosso inconsciente. Entenda as entrelinhas psicológicas dos clássicos que mexem
com crianças e adultos
Texto Emiliano Urbim
Era uma vez uma aldeia onde os moradores passavam
as noites contando e ouvindo histórias. As preferidas eram aquelas com enredos
fabulosos, mas que despertavam sensações reais, confusas, secretas. Ao redor do
fogo circulavam contos sobre bruxas e princesas, belas e feras, meninas e
lobos, onde sobravam fome, medo, vingança e morte. E ao final, nem sempre
feliz, alguém sempre pedia: “Conte outra vez”.
Em aldeias como essa, de histórias como essas,
surgiram os contos de fadas (batizados por uma senhorinha francesa insensível
ao fato de que a maioria nem fada têm). Os originais medievais eram destinados
a ouvintes de todas as idades, mas, uma vez eleitos favoritos da infância
burguesa, foram sendo sucessivamente amenizados até chegarem às atuais versões
“censura livre”.
Essas narrativas são um patrimônio abstrato da
humanidade, passado adiante via voz, livros, rádio, TV, internet – e, para quem
está na faixa dos 30, vinis coloridos. “Isso é absolutamente surpreendente num
mundo cada vez mais mutante”, afirma o casal Diana Lichtenstein Corso e Mário
Corso no livro Fadas no Divã, onde fazem uma análise psicológica das histórias
infantis. “Como esses restos do passado vieram parar nas mãos da crianças de
hoje?”, perguntam os psicanalistas.
Nos anos 70, o austríaco Bruno Bettelheim emplacou
a tese de que os contos que sobreviveram são aqueles que mais mexem com o
inconsciente de narradores e ouvintes. Uma seleção natural favoreceu as
histórias que reverberam na mente, que trazem nas entrelinhas questões
emocionais, sexuais, familiares, universais. “No conto de fadas, o paciente
encontra soluções analisando as partes da história que dizem respeito a seus
conflitos”, escreve em A Psicanálise dos Contos de Fadas. Preservamos a história
de Chapeuzinho não porque ela ensina a ter cuidado com estranhos, mas pelos
sentimentos estranhos que ela provoca.
Nas próximas páginas, mostramos que a interpretação
de clássicos como Branca de Neve, Patinho Feio e Cinderela pode ser reveladora,
tanto para quem já perdeu o medo do lobo quanto para quem ainda espera pelo
príncipe encantado.
Chapeuzinho Vermelho
Versão condagrada – A pedido da mãe, uma menina
deve atravessar um matinho sinistro pra levar comida até a casa da vó doente.
No caminho, Chapeuzinho é abordada por um lobo, que lhe indica um desvio longo
enquanto pega um atalho até a casa da velhinha e a devora sem dó. Chegando lá,
Chapeuzinho trava um diálogo recheado de duplos sentidos e também é comida. Eis
que um caçador salva o dia, tirando avó e neta da barriga do lobo.
Outra história – Na versão compilada por Perrault em 1697, a menina e a velhinha morriam. Foram os Grimm, que, 160 anos depois, tiraram o caçador do chapéu. O final varia, mas mantém-se o sugestivo diálogo que começa com “pra que esses olhos tão grandes?” e termina com “pra te comer melhor!” Existe uma versão anterior à tradicional, que inclui canibalismo (a menina bebe o sangue e come a carne da avó), strip-tease e até sugestão de golden shower. Sim, o lobo pede que a menina urine sobre ele.
Interpretação – Uma questão recorrente é por que
Chapeuzinho dá trela ao lobo? “Ela é uma criança com a ingenuidade de quem não
sabe sobre o sexo. Ela pode não saber que jogo está sendo jogado, mas é
inegável seu interesse em participar”, escrevem os autores de Fadas no Divã.
Esse caminho interpretativo leva ao campo minado da sexualidade infantil.
Segundo Freud, nossas primeiras experiências sexuais são encobertas por uma
espécie de amnésia que vai até os 6 ou 8 anos. A história teria sobrevivido por
usar símbolos que nos fazem pensar nessa questão. Ou seja: o conto não fala
apenas sobre o perigo do desconhecido, mas sobre a perda da inocência.
Para maiores – No sexo, há adultos que agem como uma menina diante de um lobo. “Quando a vida lhes impõe um papel sexual, vão oferecer o que têm: sua ingenuidade. Ser uma assustada Chapeuzinho é até onde vai a sexualidade de quem não quer saber nada do assunto”, escreve o casal Corso.
Branca de Neve
Versão consagrada Sentenciada à morte por ser mais
bela que a madrasta, Branca escapa e é acolhida por 7 anões. Mas a megera não
sossega: disfarçada de bruxa, encontra a rival e lhe dá uma maçã envenenada. A
jovem entra em coma, mas o beijo de um príncipe lhe devolve a vida. A madrasta
é punida com a morte.
Outra história – Apenas no filme da Disney os anões ganharam personalidades distintas.
Interpretação – Em contos de fadas, madrasta é
apenas um nome feio para mãe – neste caso, uma mãe que inveja a filha que vira
mulher enquanto ela envelhece. Repare: o conflito só começa depois que o
espelho informa que a madrasta não é mais a nº 1 do reino – a identidade
feminina da adolescente Branca de Neve já está em construção. E a obra se
completa com um leve toque de machismo: assim como a Bela Adormecida, ela só conquista
o príncipe semimorta – ou seja, inerte, quietinha, comportada, como se espera
de uma boa moça.
Para maiores – Todo namorado tem um pouco de “espelho, espelho meu”, constantemente requisitado a confirmar que, sim, a parceira é a mais linda e, não, não existe mais ninguém. E que ele a ama. Pra sempre. De verdade.
Patinho Feio
Versão consagrada – Banido do ninho por deficiência
estética, o Patinho enfrenta doses variadas de rejeição administradas por
humanos e animais. Ao final, entre iguais, descobre que não era um pato feio,
mas um lindo cisne.
Outra história – Diferentemente da maioria dos contos de fadas, compilados do folclore europeu, este é uma criação do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875).
Interpretação – O mérito do conto é mexer com o
senso de deslocamento comum a toda criança. Todo mundo, em algum momento, sente
que está no lugar errado, seja a família, seja a escola, a turma, o mundo. Por
outro lado, permite aos pais viver na ficção o pavor de ter o filho surrupiado.
Para maiores – Alguns carregam o “complexo de patinho feio” para além da infância, achando-se eternamente rejeitados e deslocados. Especula-se inclusive que Andersen tenha feito o conto refletindo seus problemas de auto-estima.
João e o Pé de Feijão
Versão consagrada – Em vez de vender uma vaca como
sua mãe pediu, João topa com um açougueiro/engenheiro genético e troca a mimosa
por feijões mágicos. Leva um esporro, mas as sementes crescem até o céu, onde
João encontra um gigante, de quem rouba vários tesouros. Durante perseguição ao
meliante, o grandão cai lá de cima e morre. João e a mãe vivem ricos e felizes
para sempre.
Outra história – Na primeira versão (1807), João sobe aos céus para vingar o pai, um cavaleiro morto pelo gigante.
Interpretação – Cavaleiro, açougueiro, gigante:
todos são faces do mesmo pai. A trajetória de João reflete o processo natural
(mais para homens, menos para mulheres) de assimilar características e desejos
da figura paterna na construção da própria personalidade – inclusive se
distanciando um pouco da mãe.
Para maiores – Há caçulas que passam a vida tratando irmãos mais velhos como gigantes – para o bem e para o mal.
O Príncipe Sapo
Versão consagrada – Uma princesa mimada maltrata um
sapo e é obrigada a dividir cama e mesa com o batráquio. Depois de um tempo,
ela acaba caindo pelos encantos do bicho. E, assim que os dois se beijam, num
passe de mágica, ele vira um príncipe.
Outra história A versão original não tem beijo: o
sapo se transforma após ser jogado na parede.
Interpretação – Diferentemente de histórias que terminam no casamento, esta e A Bela e a Fera lidam com o complexo “depois”. O nojinho da princesa com o ser viscoso pode simbolizar o incômodo das crianças com o sexo, ou simplesmente com relacionamentos fora da família – ambos redimidos ao final do conto.
Para maiores – Essa princesa é da linhagem das “megeras domadas”, que esperneiam, mas ao fim se submetem ao papel passivo reservado a elas.
Cinderela
Versão consagrada – A madrasta e as meias-irmãs de
Cinderela lhe delegam o trabalho doméstico, na esperança de que o batente a
embarangue. Mas chega o baile real. Repaginada por fadas, Cinderela brilha e
conquista o príncipe, que guarda da noite um sapatinho de cristal, abandonado
pela bela enquanto fugia em desabalada corrida. O príncipe sai calçando todas
em busca da dona do sapato, até dar com o pé de Cinderela e ambos viverem
felizes para sempre.
Outra história – Há versões em que as irmãs
invejosas são cegadas por aves amigas de Cinderela.
Interpretação – Na superfície temos a fantasia dos adolescentes de que a sua vida não pode ser a real: existe um destino melhor, que lhe pertence e que lhe foi roubado, simbolizado na história pelo príncipe. “Essa história permite uma empatia imediata de qualquer filho, já que cada um se sentirá demasiado injustiçado e exigido, assim como pouco amado. Acreditamos que daí provém seu sucesso”, escrevem Diana e Mário Corso. “Onde houver irmãos, haverá desigualdade de fato ou a suposição de que ela existe.” Como costuma acontecer, a figura materna é multifacetada: é a mãe bondosa que foi, a madrasta exigente e a fada que inspira sonhos. Quanto àquele sapatinho, sim, ele pode ser interpretado como um traço de fetichismo, uma dica precoce de que alguns elementos podem valer muito no jogo da sedução.
Para maiores – “A história de Cinderela é constantemente reciclada, em séries como Sex and the City e boa parte das comédias românticas”, diz Maria Tatar, folclorista da Universidade Harvard e autora de Contos de Fadas: Edição Comentada e Ilustrada. A personagem também une fantasias masculinas geralmente conflitantes: a princesa para casar e a serviçal para… bem, servir. “Cinderela persiste na fantasia feminina. Independentemente da mulher forte e capaz que ela se mostre no mundo, Cinderela será a que, na intimidade, se disponha a brincar de esconde-esconde”, afirmam os autores de Fadas no Divã.
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