quarta-feira, 13 de junho de 2018

Do quintal ao smartpohne


Do quintal ao smartphone
Moysés Abbud  - Psicólogo







“O homem não é um ser completo senão quando joga “. A arte a ciência e a religião são, freqüentes vezes, jogos sérios. Joga-se a pintar ou a rimar, como se joga o xadrez; e muitas obras que encantaram gerações inteiras não eram, para os seus autores, mais que jogos esplêndidos”. (Chateau 1961)
Quando a criança brinca ela está exercendo uma atividade muito importante para o seu desenvolvimento social uma vez que se coloca diante de outro e isso conduz ao relacionamento grupal. Mesmo quando brinca sozinha e joga consigo mesma há uma representação envolvida que permite à criança um estar “simbólico” com outro.
Os jogos infantis, ao que parece, são universais. Toda criança joga. Há relatos de brincadeiras infantis entre os gregos. Em um famoso quadro do século XVI, Pieter Bruegel pintou uma cena chamada JOGOS INFANTIS na qual ele nos mostra pelo menos 84 tipos diferentes de jogos da época sendo que alguns deles jogados até hoje. “Um verdadeiro estudo antropológico das atividades lúdicas das crianças flamengas do século XVI. Os jogos não comportam alegria: nenhuma criança ri”.( Gênios da Pintura - 1980 ).Pode parecer estranho que nenhuma criança sorria mas a época em que foi pintado o quadro, crianças eram consideradas pequenos adultos e a obra do pintor é por demais sombria. No entanto a atividade das crianças representada é tal que o tema fala por si só. As atividades frenéticas não correspondem à sobriedade dos rostos.
As Reinações de Narizinho datam de 1921/22 e foram refeitas algumas vezes. Na edição de 1959 os editores, em nota inicial, comentam a obra infantil de Monteiro Lobato destacando a importância da fantasia para a criança: -“Reinações é mais que um simples livro. É um artigo de primeira necessidade para a Psicologia e formação da criança brasileira....” “Não há em suas histórias nenhuma diferença entre o real e o irreal - e é essa a Psicologia infantil universal...” (Reinações de Narizinho -1959 ).
Para Claparède, Na criança o jogo é o trabalho, o bem, o dever, o ideal de vida. É a única atmosfera  em que o seu ser psicológico pode respirar e, consequentemente , pode agir.” “A infância serve para jogar e imitar” (Chateau 1961)
E o que fez Alice, personagem de Lewis Carrol, quando enfastiada de estar sem fazer nada junto à sua irmã? Criou seu jogo de faz-de-conta e percorreu estranhos lugares, conheceu estranhas figuras, viveu situações inusitadas que só a fantasia poderia criar. Por meio da fantasia ela questionava o crescer “Mas então, pensou Alice, será que nunca vou ficar mais velha do que estou agora? Sempre é um consolo... nunca ser uma mulher velha...mas então terei sempre lições para aprender! Oh, isso não, disso é que eu não gostaria mesmo!” (Carrol 1982,). O mundo infantil com vantagens e desvantagens sendo questionado pela personagem só é vencido pela lembrança da escola, o que a faz desistir de permanecer criança para sempre.
Os próprios contos de fada, num jogo de faz-de-conta, colocam situações nas quais a criança também pode se espelhar. Não seriam eles uma espécie de jogo? As adivinhações, parlendas e quebra-línguas se enquadram nessa categoria.
A criança quando brinca ou joga representa e “as atividades representativas são formas de conhecer; são instrumentos de que a criança se utiliza para compreender e apreender o real.”( Corso ). “A representação é condição para a operação porque é a capacidade de representar que possibilita a tomada de consciência da organização do mundo, na medida em que ela torna possíveis os quadros que englobam simultaneamente os fatos passados, presentes e futuros”.( Idem )
A infância, como a conhecemos hoje, é uma construção social. Precisamos perceber que nessa construção a infância teve momentos que permitiriam seu desenvolvimento mais amplo. Por exemplo haviam quintais nos quais as brincadeiras e o convívio com hortas, plantas, terra e animais domésticos era acontecimento comum. Era possível as brincadeiras de rua nas quais os papeis eram criados pelas crianças sem interferência adulta e ali elas se conheciam e determinavam regras para os jogos, criavam e aplicavam sanções. A escolarização acontecia tardiamente se comparada com a atualidade. Institucionalizar uma criança era comum após os sete anos de idade. O contato com a família era mais intenso de certa forma. Idosos eram seres presentes e que participavam ativamente da vida da criança. Adultos eram transmissores de conhecimento. Eram depositórios de informação e, através da tradição oral, passavam às crianças toda uma cultura espontânea. Eram fonte de conhecimento e de relatos das histórias clássicas dos contos de fada ou ainda de histórias locais, de cultura local. A tecnologia, com o desenvolvimento acelerado e associada a outros fatores, tornou-se um anteparo a este convívio bem como a escolarização precoce (se comparada a tempos passados).
Embora um arcabouço cultural cerque a criança de informações e a obrigue a padrões de comportamento, a infância é o espaço do brinquedo, do lúdico. Algo que surge como um termômetro para essa verificação é o fato de que, com toda tecnologia e aparato tecnológico, crianças ainda se entregam ao prazer das brincadeiras, ao prazer de ouvir histórias da Carochinha, quando possível. Ainda hoje crianças se encantam com contos de fada (ainda que criticados como politicamente incorretos) apesar dos apelos das imagens dos games, da TV e similares.
E é no brinquedo, no lúdico que a criança busca tornar-se pessoa. E nesses momentos de lazer ela aprende e tenta entender a cultura, o mundo dos adultos que se mostram tão incoerentes e assustadores por vezes.  A tecnologia está interferindo em nossas vidas tornando-nos dependentes de algum dispositivo. Os smartfones, o Dr. Google (substituo informatizado do conhecimento adulto), entraram definitivamente em nossas vidas e na das crianças. A TV é fonte de informação. É comum, hoje, em crianças o domínio de tecnologias às vezes mais que adultos. As brincadeiras de rua praticamente não existem. Às escolas cabe a função do resgate de tradições infantis. Os quintais desapareceram praticamente. Com eles os jogos. Uma geração nova pode estar surgindo de adultos sem infância ou, por outra, de uma infância sem cantigas de roda, sem canções de ninar, sem fantasias. A consequência? Ainda não sabemos. O certo é que de alguma forma a infância como a conhecemos está se acabando, ou se transformando.

Bibliografia
·        ALENCAR, Eunice Soriano. ( org.) Novas contribuições da Psicologia aos
processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1993.
·        BESSA, Mahylda. Artes plásticas entre as crianças. Rio de Janeiro Livraria
José Olímpio Editora. - 1972.
·        CARROLL Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas.
Tradução de Sebastião Uchoa Leite. SP.SP Círculo do Livro 1982..                                                              
·        CHATEAU, Jean. A criança e o jogo. Coimbra, Portugal Atlântida Editora
 1961
·        CORSO, Helena Vellinho. A representação infantil e a educação pré escolar.
In Revista Educação e Realidade. Fac. De Educação do Rio Gde. Do Sul
Janeiro/junho de 1993.
·        FERNANDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada.2 ed. . Porto Alegre: Artes
Médicas 1991.
·        LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo. SP
Editora Brasiliense Ltda 1959
·        MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: A educação do
educador. São Paulo Edições Loyola. - 1984.
·        PILLAR, Analice Dutra. Desenho e construção de conhecimento na criança.
Porto Alegre  Artes Médicas -, 1996.
·        Coleção Gênios da Pintura. São Paulo Abril Cultural. Volume Maneiristas
e Barrocos. 1980

terça-feira, 12 de junho de 2018

O IMAGINÁRIO INFANTIL: A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/6477_3977.pdf





O IMAGINÁRIO INFANTIL: A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA


NASCIMENTO, Mary Celina Barbosa do –
UEMG Marye-celina@hotmail.com LOPES, Telma Jannuzzi da Silva - UEMG telmajannuzzi@terra.com.br Eixo Temático: Educação da Infância Agência Financiadora: PIBIC/UEMG/CNPq

RESUMO: Como os professores utilizam os contos de fadas na Educação Infantil? Que valor eles dão a este gênero literário? Essas questões tiveram o objetivo de analisar as representações sociais docentes sobre os contos de fadas no desenvolvimento da criança de quatro a seis anos, durante o ano de 2010 e 2011, em Barbacena. O estudo e pesquisa foram assim estruturados: o percurso histórico e origem da literatura infantil; a influência dos contos de fadas no desenvolvimento da criança, a fantasia e o cognitivo; e a pesquisa das representações sociais feita em um questionário semi-estruturado sobre a sua utilização no fazer pedagógico e sua importância como auxiliar docente. Fundamentou-se na Teoria das Representações Sociais de Moscovici. Como resultado registrou-se que os docentes reconhecem os contos de fadas como fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças, despertando-lhes sentimentos e valores intuitivos. Ressaltam que a criança compactua esse aprendizado através de elementos carregados de simbolismos. Afirmam trabalhar com os contos de maneira lúdica: em teatro, varal de histórias, fantoches, dramatização através das aulas de literatura e cantinho da leitura, mas demonstram preocupação com o nível de fantasia dos mesmos frente à realidade. Os contos de fadas são utilizados como se fossem conteúdos de aprendizagem. Foram nomeadas como representações deste grupo as evocações: fantasia, imaginação, crescimento, superação, valores, encantamento, sentimento, conhecimento, felicidade, criatividade, esperança, infância, ludicidade, liberdade, mistério. 


PALAVRAS-CHAVE: Contos de fadas- Representações Sociais – Desenvolvimento emocional da criança

Introdução: 


O impulso de contar histórias nasceu com o homem, no momento em que este sentiu necessidade de comunicar suas experiências aos outros. Depois de terem exercido sua função 16426 civilizadora e formadora, estas histórias orais, que contêm experiências da humanidade se transformaram em obras imortais da literatura universal, perpetuadas em livro. A Literatura Infantil talvez seja o gênero que mais guarde proximidade das narrativas orais que tanto encantaram os homens. Grande parte da narrativa infantil manifesta ainda a autoridade do contador que efetivamente possui experiência comunicável e a clareza que dela decorre, por isso a literatura infantil é capaz de manter acesa a tradição milenar de contar histórias, nas quais o mito, a lenda, os contos de fadas permanecem vivos tal qual estavam nas narrativas orais dos contadores ancestrais. Os contos de fadas são sempre atuais, muito embora estejam atrelados à realidade sócio-econômica da Europa medieval. Satisfazem as emoções porque mapeiam impulsos e temores conscientes e inconscientes e delineiam experiências reais. Lidam com problemas universais, atacam ideias preconcebidas e defendem causas perdidas. Darnton (1988) entende que a origem dos contos não pode ser datada com precisão, porém evidências históricas indicam que já havia referências a eles, nos sermões dos pregadores medievais, pois: os pregadores medievais utilizavam elementos da tradição oral para ilustrar argumentos morais. Seus sermões, transcritos em coleções de “Exempla” dos séculos XII ao XV, referem-se às mesmas histórias que foram recolhidas, nas cabanas dos camponeses franceses, pelos folcloristas do século XIX. Referindo-se a outros estudos, Darnton pontua que embora não se possa determinar no tempo e no espaço a origem dos contos de fadas, já existia uma Cinderela chinesa, desde o século IX, esta inconfundível com a heroína de Charles Perrault, um dos primeiros a registrar os contos populares franceses. Mesmo assim, não se pode falar em uma mitologia universal, pois no caso dos contos franceses tradicionais existem características peculiares que os diferenciam de outros contos, como os ingleses. Em cada território os contos enraizaram-se de forma particular. As versões dos contos de fadas criadas e difundidas pelo povo da França representavam o modo de pensar dos seus contadores, os camponeses franceses. A primeira obra direcionada ao público infantil foi uma coletânea de cantigas infantis, publicada por Mary Cooper em 1744. O seu título era: “Para todos os pequenos senhores e senhoritas, para ser cantado por suas babás até que possam cantar sozinhos”. Uma segunda coletânea foi intitulada “Melodia da Mamãe Gansa”, de John Newbery, datada de 1760. Considerado por muitos o primeiro autor a escrever para crianças, no século XVII o francês Charles Perrault foi o primeiro a coletar e organizar contos de fadas em um livro. Perrault 16427 ouvia as histórias de contadores populares, e então as adaptava ao gosto da corte francesa, acrescentando ricos detalhes descritivos, bem como diminuindo os trechos que conotavam os rituais da cultura pagã popular ou fizessem referências à sexualidade humana (pois vivia sob o contexto de conflito religioso entre católicos e protestantes à época da Contra-Reforma Católica). Também, ao final da narrativa, escrevia, sob a forma de versos, a “moral da história”, traduzindo sua preocupação pedagógica, segundo a qual as histórias deveriam servir para instruir moralmente as crianças. (Ou seja, desde o seu primeiro registro por escrito, os contos de fadas já começaram a ter seus detalhes de enorme riqueza simbólica deturpados.) Os irmãos Grimm, também, escreveram suas versões sobre os contos de fadas, depois que estes enraizaram na Alemanha, através da imigração dos huguenotes franceses ao tecer análises sobre interpretações de outros estudiosos acerca do conto, Chapeuzinho Vermelho. Estes conseguiram, juntamente com “O gato de botas”, “Barba Azul” e algumas poucas outras histórias compiladas por Jeannette Hassenpflug, vizinha e amiga íntima deles, em Cassel; onde ela ouvira as histórias de sua mãe, que descendia de uma família francesa huguenote. Os huguenotes trouxeram seu próprio repertório de contos para a Alemanha, quando fugiram da perseguição de Luís XIV. Mas leram-no em livros escritos por Charles Perrault, Marie Catherine d’Aulnoy e outros. Assim os contos que chegaram aos Grimm através dos Hassenpflug não eram nem muito alemães nem muito representativos da tradição popular. Os contos de fadas caracterizam-se pela presença do elemento fada. Etimologicamente, a palavra fada vem do latim fatum destino, fatalidade, oráculo. Tornaramse conhecidas como seres fantásticos ou imaginários, de grande beleza, que se apresentavam sob forma de mulher. Dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais, interferem na vida dos homens, para auxiliá-los em situações-limite. De acordo com Tavares conforme seu papel ou circunstância apresentam-se ora como mulher deslumbrante, vestida, ora como velha feiticeira coberta de andrajos. Cândida, fada linda e bondosa, e Carabossa, feia e má, simbolizariam esses tipos. Como insígnia, traz a primeira uma vara (a vara de condão) e empunha a segunda um cajado ou bastão. Poderiam encarnar o Mal e apresentarem como o avesso da imagem anterior, como bruxas. Vulgarmente, se diz que fada e bruxa são formas simbólicas da eterna dualidade da mulher, ou da condição feminina. O enredo básico dos contos de fadas expressa os obstáculos, ou provas, que deveriam ser vencidas, para que o herói alcance sua autorealização existencial, seja pelo encontro de seu verdadeiro eu, seja pelo encontro da princesa, que encarna o ideal a ser alcançado. 16428 Os contos de fadas são um patrimônio da humanidade. Eles foram escritos em outra época, e a criança consegue compreender isso. Porém, muitos clássicos infantis foram se modificando através dos tempos, as histórias mudaram de acordo com a cultura e a época, havendo muita diferença dos Contos de Fadas originais para os atuais. A tendência em retirar o mal, o medo e o castigo de certas narrativas são fortes nos dias de hoje. As mudanças de enredo apaziguam as emoções que precisam ser vividas. Atualmente a psicanálise e os estudos das manifestações culturais contribuem para o renascimento do interesse pelos contos de fadas. Diz Marina Warner (1999, p.453) que “após a guerra de 1939/45, a aprovação psicanalítica dos contos de fadas como sendo altamente terapêuticos e educativos [...] sem dúvida contribuiu para esse retorno à respeitabilidade, e daí a fruição, de reinos encantados ilusórios”. Nos contos, a curiosidade, embora castigada, é incentivada. Eles mostram o despertar erótico, a iniciação sexual, a esperteza e a malícia. É feminista, abrindo espaço para a mulher comunicar suas ideias. Ao mesmo tempo em que defendem aspirações tradicionais, minam ensinamentos convencionais. Desafiam ideias estabelecidas e levantam questões na mente do ouvinte. Apresentam uma justiça poética: o filho mais novo, mais tolo, mais desvalorizado pela família e pela comunidade é quem se casa com a princesa. Falam de medos, de amor, da dificuldade de ser criança, de carências, de autodescobertas, de perdas e buscas, da vida e da morte. Alia-se a isso o fato de que os significados mudam de acordo com a necessidade ou o desejo do leitor. São sempre atuais, também, porque se envolvem no mundo maravilhoso partindo de uma situação real; lidam com emoções; passa-se em tempo e lugar indefinidos; as personagens são simples e vivenciam situações diferentes, resolvem conflitos nos quais buscam a cumplicidade da criança através do imaginário em que bruxas e fadas atuam como elementos mágicos. O cotidiano abordado na literatura infantil mostra os conflitos e as relações que a criança vive na escola, no clube, em casa, na natureza, com amigos, família etc., mas o faz no sentido de reduzir este conflito a um núcleo-base facilmente resolvido. Isso faz com que o conflito perca sua dimensão moderna, que pressupõe aspectos psicológicos e sociológicos densos. Os contos de fadas transmitem em suas histórias, valores como a humildade, o respeito além de formar, informar transmitir saberes, lições e principalmente, afeto - esse signo que deveria reger todos os relacionamentos, todas as ações, todos os vínculos. Todo conto de 16429 fadas possui uma mensagem significativa, um ensinamento uma ideologia e isto são indispensáveis na formação da personalidade, do caráter e da educação. Seu caráter utilitário resulta das condições de sua produção. Ele é produzido pelo adulto, que toma como referência o mundo adulto, projetando para a criança um mundo idealizado, como se esta não pudesse perceber ou pensar. No processo dinâmico da construção de conhecimento o que se pretende da criança é que ela realize plenamente as suas potencialidades, que transponha os seus próprios limites, que se desenvolva. O desenvolvimento acontece num processo de aprendizagem contínua, em que a criança vai incorporando novos conhecimentos, habilidades e valores próprios da sociedade em que ela vive. Desenvolvimento aqui se refere ao crescimento progressivo da criança nas funções da atenção, memória, raciocínio, linguagem, escrita, autoestima e capacidade de relacionar-se com outros. As aprendizagens que a criança conquista através das suas vivências interferem na sua conduta, no seu modo de agir e de responder aos desafios da vida continuamente, dia após dia. Os limites estabelecidos pela consciência daquilo que se sabe diante do que não sabe, são desafiantes; é a própria desordem das certezas cognitivas e ao mesmo tempo é aquilo que provoca o interesse pela busca de reorganização dessa ordem alterada. Taille (1992) escrevendo sobre a importância de se promover na escola desafios cognitivos para que a criança transponha seus próprios limites, responde o que se entende por desenvolvimento: “Ora, o que é desenvolver-se e aprender? É justamente se descentrar, abrir horizontes, construir novas estruturas, mais ricas e mais complexas”.

 Material e método: 

O presente trabalho teve a intenção de apreender a relevância dos contos de fadas para os docentes da Educação infantil; não somente como contribuição para o aprendizado da leitura e escrita, entretenimento e prazer, mas levando em conta a sua importância para o desenvolvimento psíquico, para a resolução de problemas internos, constituição de subjetividade e personalidade sadia das crianças. A pesquisa e estudo estruturam-se em quatro partes: a primeira refere-se ao estudo bibliográfico do tema no percurso histórico da literatura infanto-juvenil, relatando a origem e a história dos contos de fadas. A segunda parte relata a influência dos contos de fadas no desenvolvimento da leitura infantil. E a terceira fala da criança e o cognitivo relacionando o tema a seu desenvolvimento e aprendizagem. A quarta 16430 parte é a pesquisa amparada no construtivismo social (ALVES MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER) qualitativa (discursos e opiniões docentes sobre o tema. BARDIN (1977) e quantitativa (análise das frequências das evocações de palavras descritoras sobre o sentido e significado dos contos de fadas- ABRIC (1994); sobre a as representações sociais da relevância deste instrumento pedagógico no cotidiano escolar. Para nortear a investigação, foram formuladas as perguntas de pesquisa: a importância dos contos de fadas; os contos de fadas funcionam como instrumentos para a descoberta de sentimentos como ódio, inveja, ambição, rejeição e frustração na vida da criança. Como referencial teórico foi utilizado às concepções de Abramovich (2005), Amarilha (1997), Áries (1978), Bettelheim (1980), Cademartori (1986), Coelho (1995), Darnton (1988), Diogo (1994), Ginzburg (1998), Granadeiro (2005), Gutzat (1986), Lajolo (2001), Silva (1986), Tavares (1974), Warner (1999). Como aporte metodológico teve a teoria das Representações Sociais como referencial de pesquisa nos trabalhos de Abric, (1994), Alves-Mazzotti, (1994), Moscovici (1978). As representações Sociais são um conjunto de explicações, crenças e ideias que nos permitem evocar um dado acontecimento, pessoa ou objeto. São resultantes da interação social, porque são comuns a um determinado grupo de indivíduos. Para o romeno Serge Moscovici (1961/1978) as Representações Sociais são meios de recriar realidades buscando torná-las senso comum. O estudo de como e porque as pessoas partilham estes conhecimentos de senso comum, é um objeto de estudo muito rico para ser apurado pela psicologia social, despertando o interesse sobre os processos do conhecimento (sua gênese, transformação e projeção na sociedade). As Representações Sociais são como uma rede de ideias, metáforas e imagens que são interligadas livremente em maior ou menor intenção, tratando o pensamento como um ambiente, como uma atmosfera social e cultural. Possuem duas funções: tornar convencional ou tradicional, objetos, pessoas ou acontecimentos desconhecidos por nós. Cada experiência acrescenta novas ideias, imagens e metáforas, colocando os elementos, objetos ou ocorrências, em categorias distintas. Somos condicionados tanto por nossas representações quanto por nossa cultura; as Representações Sociais são prescritivas, ou seja, se impõem sobre nós com força irresistível, já encontramos as respostas prontas no mundo cotidiano. 16431 A teoria das Representações Sociais destaca os conceitos como se fossem fenômenos, pois, estes não ficam estáticos ou estagnados por muito tempo, ou seja, estão sempre sendo transformados e desenvolvidos cientificamente no nosso cotidiano. 

Resultados obtidos

Uma representação é sempre uma representação de algo para alguém. É sempre de caráter social. Esta colocação conduz a um status novo na identificação da realidade objetiva que é definida mediante os componentes determinantes da situação e do objeto. Não existe realidade objetiva a priori porque toda ela é representada, apropriada pelo indivíduo e seu grupo e reconstruída em seu sistema cognitivo, integrada a um sistema de valores, que dependem de um contexto social e ideológico onde ela circula. Esta realidade apropriada reestruturada constitui a realidade mesma. Moscovici (1978) sistematiza tais fundamentos, recorrendo a dois processos a objetivação, que esclarece como se estrutura o conhecimento do objeto. Reabsorvendo o excesso de significações. A ancoragem é o outro processo, aquele que dá sentido ao objeto que se apresenta à nossa compreensão. Trata-se da maneira pela qual o conhecimento se enraíza no social e volta a ele, ao converter-se em categoria e integrar-se à grade de leitura do mundo do sujeito, instrumentalizando o novo objeto. Na “objetivação” materializa-se o abstrato, tornando-o concreto, as idéias são percebidas de modo real o conceito transforma-se em imagem. 

1-Na resposta do questionário semi-estruturado da pesquisa pode-se registrar como representações do grupo das professoras entrevistadas sobre a importância dos contos de fadas que: eles permitem a criança se projetar no outro, ato fundamental para ela abandonar o egocentrismo. Afirmam (10%) que contribuem através da fantasia para uma maior tolerância no cotidiano, acreditando que o melhor ainda estar por vir. Eles ajudam a encarar a realidade e dão aos ouvintes poderes. Recordaram experiências vividas (20%) ao afirmarem que eles permitem deixar a imaginação livre para ser e para criar A pesquisa revelou que (30%) das professoras ainda associam as atividades da educação Infantil a uma preocupação pedagógica, ao colocar que: “Contar histórias não é um ato simples, mas sim uma arte que pode ou não contribuir na aprendizagem da criança. Todas reconhecem a importância deste tipo de literatura: “A visão literária dos contos de fadas atualiza ou reinterpreta os conflitos de poder e de formação de valores, através da mistura de realidade 16432 com fantasia, pois lidam com a sabedoria popular, com conteúdos essenciais das condições humanas, perpetuadas até hoje: amor, medo, carência, perdas, solidão, dificuldades e descobertas de ser criança”. Como elementos que estimulam o desenvolvimento infantil a desenvolvem a imaginação, ajudam a construir valores; promover um aprendizado de maneira lúdica. Trabalham também a interação. Proporcionam prazer”. São ricos em magia e fantasia, o que possibilita a criança fazer uma viagem no universo de heróis, princesas, bruxas, florestas e castelos, desenvolvendo assim a criatividade, a imaginação, a concentração e a empatia, no momento em que as crianças sentem e vivem as situações das narrativas”. Como formativos a Professora 11 ressalta que: “Existe uma força maior na figura do herói que sempre irá triunfar no final, não importa o quanto árduo tenha sido o seu caminho percorrido, no final os honestos e puros de coração sairão vencedores, levando a crer que a maldade não compensa, por maior que seja seu sofrimento e suas angústias, sempre existirá um conto de fadas capaz de lhe trazer a paz perdida.” 

Em relação à segunda questão: Os contos de fadas funcionam como instrumentos para a descoberta de sentimentos como ódio, inveja, ambição, rejeição e frustração na vida da criança? Os contos de fadas influenciam na formação da personalidade infantil? Por quê? Todas reconhecem o valor dos contos de fadas e completam que: “Os contos de fadas exercem uma influência muito benéfica na formação da personalidade porque, através da assimilação dos conteúdos, as crianças aprendem que é possível vencer os obstáculos e saírem vitoriosas, especialmente quando o herói vence no final”. “A descoberta do ódio, inveja, ambição e outros sentimentos negativos fazem com que a criança aprenda a diferenciar o certo do errado e entender que precisamos de superação para buscar a felicidade. Sim, porque concretiza símbolos capazes de auxiliar o emocional”. Mas também demonstram certo receio quanto ao uso deste tipo de literatura: “Porque se não forem bem trabalhados levam as crianças a pensar que a vida real pode também ser como nos contos de fadas”. 

Em relação à terceira questão: Segundo o psicanalista Bruno Bettelheim (1980), os contos de fadas são a chave para ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da realidade. A psicanálise afirma que os significados simbólicos dos contos maravilhosos estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. Você concorda com esta afirmação? Justifique. 16433 “Os contos de fadas” podem ser um suporte para várias situações, mas não somente a “chave” para ajudar pessoas a desembarcar os mistérios da realidade. “O amadurecimento emocional acontece pela interação que a criança desenvolve no processo de sua ação sobre o mundo”. Os dilemas enfrentados pelo homem nem sempre têm um bom final. O simples fato de trazer a mensagem da vitória do bem sobre o mal faz com que a criança, façam a transposição para sua realidade atual”. “Quando trabalhado de modo correto ajudam as crianças a enxergarem que todos têm dificuldades e que as dificuldades podem ser superadas com esforço”. “O significado simbólico- a fantasia facilita a compreensão da criança desembaraçando os mistérios da realidade”. “Os contos de fada geralmente tratam de dilemas do nosso cotidiano e, muitas vezes, procuramos auxilio nos desfechos que possam nos amparar em decisões difíceis”. 

Em relação à quarta questão Como são trabalhados os contos de fadas em seu fazer pedagógico? “Através da leitura, reconto, mudar final da história, criação der outros personagens, moral da história, ilustrações, teatro, fantoches, parte que mais gostou, filmes etc.” “Estimulando as crianças a falarem sobre angústias, partilhar suas dúvidas e ansiedades sem se expor pessoalmente, não diretamente de si própria utilizando o recurso dos personagens e de uma situação fictícia como apoio. No cálculo da frequências das evocações sobre os contos de fadas registramos as evocações: fantasia (32). Imaginação (16), crescimento (14), superação (12), valores (12), encantamento (11), sentimento (11), conhecimento (9), felicidade (8), criatividade (4), esperança (4), infância (4), ludicidade (3), liberdade (2), mistério (1) que reforçam as opiniões colhidas no questionário. Os contos de fadas não descrevem o mundo de acordo com a simples realidade objetiva. (o que justifica a evocação fantasia e imaginação). Através de sua riqueza simbólica, descrevem a realidade subjetiva da mente humana. Isso os torna mais verdadeiros, pois faz refletir sobre os aspectos mais obscuros da psique, que não podem ser alcançados diretamente através do pensamento consciente. Esse poder de atuação dos contos de fadas é maior ainda para o pensamento infantil, pois, se o adulto tem dificuldade em aceitar e enfrentar suas próprias incertezas expressas nas aventuras dos contos, a criança é imediatamente captada pela beleza e a linguagem destes, que muito se aproxima de seu próprio mundo inconsciente. Por isso, ao ouvir contos, o psiquismo da criança se desenvolve. (evocação: crescimento e superação). Primeiramente, porque ela tem o desafio intelectual de compreender uma narrativa tão rica, intrincada e bem urdida, como a dessas histórias, pedindo para ouvi-la 16434 várias vezes, até alcançar este objetivo. E também porque, dominando o conflito da história, ela está dominando seus próprios conflitos internos. 


REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Fanny. Por uma arte de contar histórias. Disponível em: < http://www.docedeletra.com.br/semparar/hspfanny.html>. Acessado em 23 de maio de 2005, p.1. ______________________ Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995, p.120. ABRIC, Jean Claude (org.) Práticas Sociales y representaciones. 1ª edição. Presses Universitaires de France, 1994. Ediciones Coyoacan, S.A.de C.V. ALVES-MAZOTTI, A. J, GEWANDSZNAJDER F. O método nas Ciências Naturais e Sociais. Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Pioneira-Thomson Leraning, 2001. AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 1997. BETTELHEM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1980. CADEMAROTI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986, CARUSO, Carla. A importância da literatura na formação da criança. Disponível em: http://www.riobranco.org.br/brasil/soe/caruso.htm>. Acessado em 3 de abril de 2005. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de literatura infantil e juvenil brasileira: séculos XIX e XX. 4. ed. São Paulo: USP, 1995. DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: E outros episódios da história cultural Francesa. Rio de janeiro: Graal, 2ª Ed. 1988. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. Companhia Das Letras, 10ª Edição, São Paulo 1998, GRANADEIRO, Cláudia. Histórias para contar. Disponível em: . Acessado em 23 de maio de 2005. GUTZAT, Barbel. Os Contos de Grimm. Revista de Letras, v.11, nº 2, jul./dez., 1986. LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Método global

Método global

O método global integra o conjunto dos métodos analíticos que se orientam no sentido do todo para as partes. Defende que a criança percebe as coisas e a linguagem em seu aspecto global, que a leitura é uma atividade de interpretação de ideias e que a análise de partes deve ser um processo posterior. 

No final do século XIX e início do XX, o método global encontra sólido apoio na teoria de Decroly, psicólogo e educador belga, para quem a aprendizagem das crianças ocorreria através de observações, associação e expressão de ideias. Outro apoio ao método é atribuído ao psicólogo suíço Claparède, que defendia dois grandes princípios, baseados na teoria alemã da Gestalt, ou da ‘forma’: ir do simples para o complexo significa ir do todo às partes; a palavra e a frase oferecem à criança uma configuração total, ou um perfil geral necessário a esse movimento. 

É possível verificar pontos comuns entre os defensores dos métodos denominados analíticos/globais: 1) a linguagem funciona como um todo e as partes somente têm sentido em função de uma unidade; 2) existe um princípio de sincretismo no pensamento infantil: primeiro percebe-se o todo e depois as partes; 3) os métodos de alfabetização devem priorizar a compreensão; 4) no ato da leitura, o leitor utiliza estratégias globais de reconhecimento; 5) o aprendizado da escrita não pode ser feito por fragmentos de palavras, mas por seu significado; 6) a escola tem que acompanhar os interesses, a linguagem e o universo infantil e, portanto, as palavras percebidas globalmente também devem ser familiares e ter sentido para a criança.

Em São Paulo, adota-se oficialmente o “método analytico” na primeira década do século XX. A Cartilha Analytica de Arnaldo Barreto associa o ensino da leitura ao ensino de “Lições de Coisas”, ou método intuitivo, defendendo que a educação deveria passar pelos sentidos e pela observação, e usa textos com sentenças descritivas de imagens, que deveriam ser reconhecidas em posições horizontal, vertical e desordenadas, sob a influência da Cartilha de Arnold, da autora americana Sarah Louise Arnold. 

O método global de contos/historietas foi divulgado por Lúcia Casasanta, em Minas Gerais e no Brasil, desde 1930, aproximadamente. O Livro de Lili, de Anita Fonseca (1940) exemplifica as etapas/fases a serem seguidas pelos adeptos do método, com algumas variações: fase da história – reconhecimento global de um texto (feito juntamente com as crianças ou produzido por um autor), que é memorizado e “lido” durante um período; fase da sentença – reconhecimento e identificação rápida de sentenças do mesmo texto, que depois são recortadas e remontadas; fase de porção de sentido – reconhecimento de expressões em sentenças conhecidas; fase de palavração – reconhecimento de palavras nas sentenças e depois decomposição/recorte de sentenças em palavras – fase da silabação, que ocorreria quando as crianças já tivessem feito vários exercícios de observação de semelhanças e diferenças entre as palavras. Na fase de decomposição de sílabas de palavras concretas e conhecidas, não poderia ser abandonada a leitura pelo sentido das outras historietas e textos suplementares. Tomando como foco o sentido, somente após um convívio mais prolongado com o texto é que viria uma forma de decomposição; assim, a fase de palavração viria depois da terceira historieta, por exemplo.

Na atualidade, enfatiza-se que os textos têm que ser aqueles que circulam na sociedade e não inventados para efeitos de ensino; as crianças devem ler e escrever na escola para desenvolver diferentes funções sociais e gêneros da escrita. Os professores têm recuperado metodologias semelhantes às do método global, utilizando a apresentação de histórias, parlendas, advinhas e outros textos para que as crianças memorizem, montem e desmontem frases e depois identifiquem palavras que serão decompostas.


Referências bibliográficas:

sábado, 26 de maio de 2018

Bruno Bettelheim e a psicanálise dos contos de fadas


Bruno Bettelheim
e a psicanálise dos contos de fadas
Para psicólogo austro-americano, violência e tabus contidos nessas narrativas tinham poder de atração sobre as crianças por seu conteúdo humano e por simbolizarem a saga do herói, correspondente ao desenvolvimento delas próprias
MYRIAM CHINALLI , 21 DE AGOSTO DE 2017 / 4469 0

Nascido em Viena no início do século passado, o psicanalista austro-americano Bruno Bettelheim (1903-1990) é originário de numa família judia da alta burguesia. Entrou na universidade para fazer um curso que passava pela literatura, pela história da arte e pela estética. Em sua tese de fim de curso, já demonstrava interesse pela psicanálise: procurou integrar uma abordagem psicanalítica da arte com uma interpretação filosófica do belo. A partir de 1932, uniu-se a psicanalistas vienenses que se interessavam pelo tratamento de crianças. A primeira e a segunda esposas de Bettelheim eram discípulas da médica e pedagoga italiana Maria Montessori (1870-1952).
Em 1938, foi deportado pelos nazistas para um campo de concentração, onde passou um ano sendo violentamente espancado. Essa experiência desumana o marcou profundamente, e, segundo seu relato, nunca foi superada por completo.
Depois de liberado, Bettelheim foi morar nos Estados Unidos. A partir de 1943, ligou-se à Escola Ortogênica de Chicago, que dirigiu durante cerca de trinta anos e que acolhia crianças classificadas como autistas. De inspiração psicanalítica, esse instituto, no entanto, tinha aspectos paradoxais, pois se chocava com os próprios princípios psicanalíticos de abertura para o exterior e de autonomização dos indivíduos.
Dizia-se um homem do trabalho de campo, mais clínico do que teórico: um clínico cuja prática se inspirava, sobretudo, em princípios filosóficos. Ele afirmava publicamente que tinha plena consciência dos limites de seu saber. Também postulava uma “cura relativa” de seus pacientes, valorizando todos os avanços obtidos por eles, ainda que considerados pequenos aos olhos da sociedade.
Depois que se desligou da Escola Ortogênica, aposentado, continuou muito ativo, escrevendo diversos livros – entre os quais Psicanálise dos contos de fadas, obra inspirada nos relatórios que produziu a respeito dos casos que atendeu e que se tornou um best-seller mundial, bastante conhecida inclusive por educadores brasileiros. Fazia conferências e participava de programas de rádio e televisão. Obteve grande fama na mídia dos Estados Unidos e do resto do mundo, inspirador de adesões apaixonadas e alvo de violentas polêmicas.
A psicanálise dos contos de fadas
Recusando tanto o dogmatismo teórico da IPA (International Psychoanalytical Association) quanto o pragmatismo dos psicanalistas norte-americanos (partidários de uma psicologia adaptacionista), Bettelheim afirmava que as crianças de quem estava encarregado deviam ser tratadas com respeito. Concebeu um “universo terapêutico total”, que fez de seu trabalho um combate permanente, cujo fim – a saída do isolamento no qual as crianças autistas tinham encontrado refúgio – devia justificar os meios. Utilizou técnicas de trabalho ainda pouco valorizadas, como a leitura de contos de fadas para as crianças internadas.
No livro Psicanálise dos contos de fadas, Bettelheim apresentou as histórias como eram contadas em seus primeiros registros, com a presença da violência quase brutal e dos tabus, como o do incesto. Seguindo as ideias freudianas, afirmava que essa violência é inerente ao ser humano e, por isso, atrai tanto a atenção das crianças. Isso explicaria, por exemplo, por que o lobo fascina tanto os pequenos.
O conto de fadas recriava, também, a saga do herói: a busca das origens, o enfrentamento de problemas, a superação dos obstáculos e a obtenção da glória e do sucesso. Essa jornada demonstraria o desenvolvimento interior da criança e os rituais de passagem em suas diversas etapas de desenvolvimento.
Para Bettelheim, essas ficções ajudavam a criança a recriar internamente seus próprios dramas pessoais, pois permitiam que elas se imaginassem na história e aprendessem a lidar com seus conflitos interiores. Por meio dessas narrativas, a criança vislumbrava maneiras de lidar com seus medos, suas falhas, assim como de resolver as questões que se colocavam como obstáculos para seu desenvolvimento.
Algumas ideias desenvolvidas por Bruno Bettelheim

A criança esquizofrênica
Nos Estados Unidos, o diagnóstico de esquizofrenia era aplicado na maioria dos casos de psicose, quer se tratasse de adultos ou de crianças. Esquizofrenia era sinônimo de delírio e de insanidade aguda ou crônica. Mesmo sabendo que um diagnóstico nunca abrangia a riqueza da complexidade clínica, Bettelheim adotou essa classificação, distinguindo três tipos de esquizofrenia:
– No nível mais baixo, o sujeito deixa de agir por si e também não reage a seu meio. Desinveste todos os aspectos da realidade interna e externa. É o caso da criança autista muda.
– No 
nível intermediário situa-se o sujeito que, até certo ponto, ainda age, embora seus atos não estejam de acordo com suas tendências inatas. Todos os seus atos são motivados pela angústia de morte, onipresente em sua realidade interna. Como ele retira o investimento da realidade externa, não pode haver uma interação com essa realidade. É o caso da criança autista não muda.
– No 
terceiro nível da esquizofrenia, encontra-se o sujeito que age, sobretudo, em função de uma realidade externa superinvestida, como prisioneiro de um combate extremamente violento com o mundo externo, que parece hostil e esmagador. Para Bettelheim, essa é a forma menos grave de esquizofrenia.
A criança autista
Para o pensador vienense, o autismo se originaria no encontro defeituoso de um ser com o mundo externo, nos primeiros dois anos de vida. Durante esse período, são os familiares, e mais especialmente a mãe (ou quem ocupa esse lugar), que representam o mundo circundante aos olhos da criança. Para que a criança pequena sinta o desejo de se relacionar com esse mundo, e para que possa desenvolver sua personalidade, suas primeiras trocas e contatos devem se colocar sob o signo da mutualidade.
O psicanalista entendia mutualidade como a relação em que um age com o outro, manifestando sua maneira de ser. Segundo ele, a falta de mutualidade no encontro com a realidade externa constituía o fator principal de retraimento autístico, temporário ou crônico, da criança pequena. Bettelheim atribuiu as consequências da falta de mutualidade pelo lado da mãe, ou de quem ocupava o lugar materno (por exemplo, os cuidadores nos berçários ou os substitutos maternos quando a criança era privada do contato materno por guerras ou perdas precoces).
Diante dessa falha materna, a criança pequena viveria a expe­riência traumática de que seus atos não exerciam nenhuma influência no comportamento da mãe. Suas tentativas de transmitir seus afetos, manifestar suas necessidades e receber uma resposta que ela considera apropriada eram inúteis. Então, para ficar distante da angústia de morte, a criança manteria a imutabilidade de seu mundo interno.
Dessa forma, a criança autista estava alienada numa lógica de sobrevivência. O fechamento de si mesma a protegeria da agressividade do mundo externo. Em seus tratamentos, Bettelheim propunha que a criança autista pudesse viver a experiência de uma mutualidade que faltou no passado, encontrar razões para agir sobre o mundo e desenvolver sua personalidade. Tratava-se de propor à criança um mundo em que ela pudesse entrar em pé de igualdade com o outro. Um mundo que se adaptasse à sua loucura e aos seus sintomas, que eram para ela uma necessidade de sobrevivência.
Dificuldades do fim
No final da vida, aos 87 anos, problemas graves de saúde levaram-no a restringir consideravelmente suas atividades. A morte de sua mulher também o abalou profundamente. Bruno Bettelheim pôs fim à própria vida, asfixiando-se com um saco plástico amarrado a uma borracha.
Um grande escândalo estourou nos Estados Unidos algumas semanas depois de sua morte. Em consequência da publicação, em alguns grandes jornais, de cartas de ex-alunos da Escola Ortogência de Chicago, a imagem do bom “Dr. B.”, como era chamado, se apagava por trás da figura de um tirano brutal, que fazia reinar o terror em sua escola. Acusaram-no então de ele não aceitar nenhum visitante, a não ser, e em condições muito restritivas, as famílias das crianças que ali estavam.
Logo os ataques da mídia norte-americana se estenderam à sua vida e à sua obra. Os atributos de impostor, de falsificador e de plagiário se somaram ao de charlatão – possivelmente por ele não ser médico. Esse tumulto teve pouca repercussão na França, onde ele gozava – em razão do sucesso do seu livro A fortaleza vazia, sobre as origens e o tratamento do autismo, e do programa destinado à Escola Ortogênica, realizado para a televisão francesa em 1974 – de um imenso prestígio que só foi prejudicado pelo declínio geral das ideias filosóficas e psicanalíticas nos anos 1970.


Autor
É psicanalista e escritora. Participa do Grupo Acesso, que realiza estudos, intervenções e pesquisas sobre adoção na Clínica do Instituto Sedes Sapientiae. É consultora de ONGs ligadas à defesa dos direitos humanos e autora de livros infantis e juvenis voltados à formação da cidadania.


O GATO POLÍCIA


DE VOLTA


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Livro contesta o ideal das relações amorosas nos contos de fadas

http://delas.ig.com.br/amoresexo/livro+contesta+o+ideal+das+relacoes+amorosas+nos+contos+de+fadas/n1596854588634.htmlhttp://delas.ig.com.br/amoresexo/livro+contesta+o+ideal+das+relacoes+amorosas+nos+contos+de+fadas/n1596854588634.html
Livro contesta o ideal das relações amorosas nos contos de fadas

Autora de “Troco o Príncipe Encantado pelo Lobo Mau” fala ao Delas e apresenta uma visão irreverente sobre a mulher moderna
Redação, iG São Paulo | 21/04/2011 15:06

"Não quero covardes do meu lado", diz a autora Raquel Sánchez







Um homem malhado, sem camisa e com uma tatuagem no bíceps esquerdo. A capa do livro “Troco o Príncipe Encantado pelo Lobo Mau”, lançamento da editora Fontanar, não retrata exatamente um par romântico de contos de fadas.

Obra de estreia da espanhola Raquel Sánchez Silva, a publicação questiona o comportamento e as expectativas femininas em relação aos relacionamentos amorosos. “Nem sapatinhos de cristal, nem pozinhos mágicos, nem espelho que fala a verdade. Sou mais um supersapato de Manolo Blahnik, sexo de verdade e os melhores elixires da juventude eterna”, brinca ela no livro que pretende ser “um guia para se livrar dos ideais ultrapassados”.

Em entrevista exclusiva ao Delas, Sánchez fala sobre as aventuras sexuais da mulher moderna e como se comportam os estereótipos masculinos:

iG: Eu seu livro, você cita o fim do homem “Don Juan”. Eles estão mudando por uma escolha própria ou esse é um movimento necessário para acompanhar as exigências das mulheres modernas?
 Raquel Sánchez: O Don Juan sempre foi um personagem detestável que a sociedade aplaudia, mas não é mais. Os homens heterossexuais querem continuar participando do jogo da sedução, mas sabem que as regras mudaram. Quem dá as cartas hoje já não é mais o homem sozinho. Agora existe alternância e jogo de poder entre os sexos. Assim, é preciso ser inteligente para conduzir.
iG: O “homem atormentado”, segundo o livro, é o pior tipo no campo da compreensão. Você já topou com um desses na sua vida? Qual é o perfil dele?
 Raquel Sánchez: Um homem atormentado é aquele que entra na sua vida carregando um passado pesado, com fardos, lembranças e arrependimentos, quase todos relacionados com uma ex-namorada difícil ou um sonho não realizado. É preciso fugir da tristeza e de homens assim. É preciso buscar a fantasia, a vida e o sorriso. Conheci muitos, e espero não conhecer outros.
iG: Quem é a Fada Madrinha dos tempos modernos? E por que elas não são confiáveis?
 Raquel Sánchez: Sempre vão existir boas Fadas Madrinhas. Muitas são nossas avós, uma tia maravilhosa, uma desconhecida que um dia muda sua vida com um gesto, um favor, uma frase. Não coloco as mães nessa lista porque elas estão acima de tudo. O que também existe desde sempre são as madrinhas traidoras, aquelas que ganham confiança com sua amizade e depois fazem jogos com você. No livro, concretamente, falo das que roubam o seu namorado.
iG: “Se você levar um bolo, ligue no dia seguinte para dizer que não foi”. Que tipo de vovó, nada parecida com a dos contos de fadas, cantou essa bola pra você?
Raquel Sánchez: Esse é o conselho de uma vovó mágica e sua linda neta, minha amiga Ulia. Sua sabedoria nasce do orgulho e da força. Depois de tomar um bolo, você vai ter que morder a língua para não gritar “Você me deixou plantada esperando e estou magoada!”. Mas você não vai fazer isso. Sua indiferença vai ser o castigo dele para sempre.

Quem quer ser uma chata aos cuidados dos sete anões?
iG: Você tem birra do Peter Pan? Por que diz que ele precisa de uma “Supernanny”?
 Raquel Sánchez: Eu adoro o Peter Pan como personagem. Mas nós não vivemos na Terra do Nunca e sabemos que a infância termina - e a adolescência também. Não suporto homens que têm medo de compromisso e que se agarram em uma juventude fictícia, que chamo de “Síndrome de Peter Pan”. Uma Supernanny poderia fazê-los pensar e perceber algumas coisas, embora eu ache que eles são um caso perdido. Não quero covardes do meu lado.
iG: Qual é a crença mais errada dos contos de fadas, na sua opinião?
 Raquel Sánchez: A maioria deles é cruel, irreal, anacrônico. Detesto todas as mulheres que apostam sua felicidade na conquista de um homem: um príncipe que desperta com um beijo as Brancas de Neve e as Belas Adormecidas, o príncipe que resgata a Cinderela de sua prisão. Nenhuma delas pode dar conta de sua fuga e felicidade sozinhas. São retratos de mulheres frágeis e castigadas por sua curiosidade, pelo tear de tecidos, pela maçã... É detestável por ser tão manipulador.
iG: O que o lobo mau tem de bom que o príncipe não tem?


 Raquel Sánchez: O lobo feroz tem pegada e sabe enlouquecer você. O príncipe te leva no seu cavalo branco, mas seus beijos deixam você fria. É preciso escolher ou encontrar uma combinação possível (é difícil encontrar o híbrido, mas ele existe). Na realidade, todas queremos o mesmo: um lobo apaixonado sábado à noite, e um príncipe doce que nos acorde aos domingos de manhã.