segunda-feira, 28 de maio de 2018

Método global

Método global

O método global integra o conjunto dos métodos analíticos que se orientam no sentido do todo para as partes. Defende que a criança percebe as coisas e a linguagem em seu aspecto global, que a leitura é uma atividade de interpretação de ideias e que a análise de partes deve ser um processo posterior. 

No final do século XIX e início do XX, o método global encontra sólido apoio na teoria de Decroly, psicólogo e educador belga, para quem a aprendizagem das crianças ocorreria através de observações, associação e expressão de ideias. Outro apoio ao método é atribuído ao psicólogo suíço Claparède, que defendia dois grandes princípios, baseados na teoria alemã da Gestalt, ou da ‘forma’: ir do simples para o complexo significa ir do todo às partes; a palavra e a frase oferecem à criança uma configuração total, ou um perfil geral necessário a esse movimento. 

É possível verificar pontos comuns entre os defensores dos métodos denominados analíticos/globais: 1) a linguagem funciona como um todo e as partes somente têm sentido em função de uma unidade; 2) existe um princípio de sincretismo no pensamento infantil: primeiro percebe-se o todo e depois as partes; 3) os métodos de alfabetização devem priorizar a compreensão; 4) no ato da leitura, o leitor utiliza estratégias globais de reconhecimento; 5) o aprendizado da escrita não pode ser feito por fragmentos de palavras, mas por seu significado; 6) a escola tem que acompanhar os interesses, a linguagem e o universo infantil e, portanto, as palavras percebidas globalmente também devem ser familiares e ter sentido para a criança.

Em São Paulo, adota-se oficialmente o “método analytico” na primeira década do século XX. A Cartilha Analytica de Arnaldo Barreto associa o ensino da leitura ao ensino de “Lições de Coisas”, ou método intuitivo, defendendo que a educação deveria passar pelos sentidos e pela observação, e usa textos com sentenças descritivas de imagens, que deveriam ser reconhecidas em posições horizontal, vertical e desordenadas, sob a influência da Cartilha de Arnold, da autora americana Sarah Louise Arnold. 

O método global de contos/historietas foi divulgado por Lúcia Casasanta, em Minas Gerais e no Brasil, desde 1930, aproximadamente. O Livro de Lili, de Anita Fonseca (1940) exemplifica as etapas/fases a serem seguidas pelos adeptos do método, com algumas variações: fase da história – reconhecimento global de um texto (feito juntamente com as crianças ou produzido por um autor), que é memorizado e “lido” durante um período; fase da sentença – reconhecimento e identificação rápida de sentenças do mesmo texto, que depois são recortadas e remontadas; fase de porção de sentido – reconhecimento de expressões em sentenças conhecidas; fase de palavração – reconhecimento de palavras nas sentenças e depois decomposição/recorte de sentenças em palavras – fase da silabação, que ocorreria quando as crianças já tivessem feito vários exercícios de observação de semelhanças e diferenças entre as palavras. Na fase de decomposição de sílabas de palavras concretas e conhecidas, não poderia ser abandonada a leitura pelo sentido das outras historietas e textos suplementares. Tomando como foco o sentido, somente após um convívio mais prolongado com o texto é que viria uma forma de decomposição; assim, a fase de palavração viria depois da terceira historieta, por exemplo.

Na atualidade, enfatiza-se que os textos têm que ser aqueles que circulam na sociedade e não inventados para efeitos de ensino; as crianças devem ler e escrever na escola para desenvolver diferentes funções sociais e gêneros da escrita. Os professores têm recuperado metodologias semelhantes às do método global, utilizando a apresentação de histórias, parlendas, advinhas e outros textos para que as crianças memorizem, montem e desmontem frases e depois identifiquem palavras que serão decompostas.


Referências bibliográficas:

sábado, 26 de maio de 2018

Bruno Bettelheim e a psicanálise dos contos de fadas


Bruno Bettelheim
e a psicanálise dos contos de fadas
Para psicólogo austro-americano, violência e tabus contidos nessas narrativas tinham poder de atração sobre as crianças por seu conteúdo humano e por simbolizarem a saga do herói, correspondente ao desenvolvimento delas próprias
MYRIAM CHINALLI , 21 DE AGOSTO DE 2017 / 4469 0

Nascido em Viena no início do século passado, o psicanalista austro-americano Bruno Bettelheim (1903-1990) é originário de numa família judia da alta burguesia. Entrou na universidade para fazer um curso que passava pela literatura, pela história da arte e pela estética. Em sua tese de fim de curso, já demonstrava interesse pela psicanálise: procurou integrar uma abordagem psicanalítica da arte com uma interpretação filosófica do belo. A partir de 1932, uniu-se a psicanalistas vienenses que se interessavam pelo tratamento de crianças. A primeira e a segunda esposas de Bettelheim eram discípulas da médica e pedagoga italiana Maria Montessori (1870-1952).
Em 1938, foi deportado pelos nazistas para um campo de concentração, onde passou um ano sendo violentamente espancado. Essa experiência desumana o marcou profundamente, e, segundo seu relato, nunca foi superada por completo.
Depois de liberado, Bettelheim foi morar nos Estados Unidos. A partir de 1943, ligou-se à Escola Ortogênica de Chicago, que dirigiu durante cerca de trinta anos e que acolhia crianças classificadas como autistas. De inspiração psicanalítica, esse instituto, no entanto, tinha aspectos paradoxais, pois se chocava com os próprios princípios psicanalíticos de abertura para o exterior e de autonomização dos indivíduos.
Dizia-se um homem do trabalho de campo, mais clínico do que teórico: um clínico cuja prática se inspirava, sobretudo, em princípios filosóficos. Ele afirmava publicamente que tinha plena consciência dos limites de seu saber. Também postulava uma “cura relativa” de seus pacientes, valorizando todos os avanços obtidos por eles, ainda que considerados pequenos aos olhos da sociedade.
Depois que se desligou da Escola Ortogênica, aposentado, continuou muito ativo, escrevendo diversos livros – entre os quais Psicanálise dos contos de fadas, obra inspirada nos relatórios que produziu a respeito dos casos que atendeu e que se tornou um best-seller mundial, bastante conhecida inclusive por educadores brasileiros. Fazia conferências e participava de programas de rádio e televisão. Obteve grande fama na mídia dos Estados Unidos e do resto do mundo, inspirador de adesões apaixonadas e alvo de violentas polêmicas.
A psicanálise dos contos de fadas
Recusando tanto o dogmatismo teórico da IPA (International Psychoanalytical Association) quanto o pragmatismo dos psicanalistas norte-americanos (partidários de uma psicologia adaptacionista), Bettelheim afirmava que as crianças de quem estava encarregado deviam ser tratadas com respeito. Concebeu um “universo terapêutico total”, que fez de seu trabalho um combate permanente, cujo fim – a saída do isolamento no qual as crianças autistas tinham encontrado refúgio – devia justificar os meios. Utilizou técnicas de trabalho ainda pouco valorizadas, como a leitura de contos de fadas para as crianças internadas.
No livro Psicanálise dos contos de fadas, Bettelheim apresentou as histórias como eram contadas em seus primeiros registros, com a presença da violência quase brutal e dos tabus, como o do incesto. Seguindo as ideias freudianas, afirmava que essa violência é inerente ao ser humano e, por isso, atrai tanto a atenção das crianças. Isso explicaria, por exemplo, por que o lobo fascina tanto os pequenos.
O conto de fadas recriava, também, a saga do herói: a busca das origens, o enfrentamento de problemas, a superação dos obstáculos e a obtenção da glória e do sucesso. Essa jornada demonstraria o desenvolvimento interior da criança e os rituais de passagem em suas diversas etapas de desenvolvimento.
Para Bettelheim, essas ficções ajudavam a criança a recriar internamente seus próprios dramas pessoais, pois permitiam que elas se imaginassem na história e aprendessem a lidar com seus conflitos interiores. Por meio dessas narrativas, a criança vislumbrava maneiras de lidar com seus medos, suas falhas, assim como de resolver as questões que se colocavam como obstáculos para seu desenvolvimento.
Algumas ideias desenvolvidas por Bruno Bettelheim

A criança esquizofrênica
Nos Estados Unidos, o diagnóstico de esquizofrenia era aplicado na maioria dos casos de psicose, quer se tratasse de adultos ou de crianças. Esquizofrenia era sinônimo de delírio e de insanidade aguda ou crônica. Mesmo sabendo que um diagnóstico nunca abrangia a riqueza da complexidade clínica, Bettelheim adotou essa classificação, distinguindo três tipos de esquizofrenia:
– No nível mais baixo, o sujeito deixa de agir por si e também não reage a seu meio. Desinveste todos os aspectos da realidade interna e externa. É o caso da criança autista muda.
– No 
nível intermediário situa-se o sujeito que, até certo ponto, ainda age, embora seus atos não estejam de acordo com suas tendências inatas. Todos os seus atos são motivados pela angústia de morte, onipresente em sua realidade interna. Como ele retira o investimento da realidade externa, não pode haver uma interação com essa realidade. É o caso da criança autista não muda.
– No 
terceiro nível da esquizofrenia, encontra-se o sujeito que age, sobretudo, em função de uma realidade externa superinvestida, como prisioneiro de um combate extremamente violento com o mundo externo, que parece hostil e esmagador. Para Bettelheim, essa é a forma menos grave de esquizofrenia.
A criança autista
Para o pensador vienense, o autismo se originaria no encontro defeituoso de um ser com o mundo externo, nos primeiros dois anos de vida. Durante esse período, são os familiares, e mais especialmente a mãe (ou quem ocupa esse lugar), que representam o mundo circundante aos olhos da criança. Para que a criança pequena sinta o desejo de se relacionar com esse mundo, e para que possa desenvolver sua personalidade, suas primeiras trocas e contatos devem se colocar sob o signo da mutualidade.
O psicanalista entendia mutualidade como a relação em que um age com o outro, manifestando sua maneira de ser. Segundo ele, a falta de mutualidade no encontro com a realidade externa constituía o fator principal de retraimento autístico, temporário ou crônico, da criança pequena. Bettelheim atribuiu as consequências da falta de mutualidade pelo lado da mãe, ou de quem ocupava o lugar materno (por exemplo, os cuidadores nos berçários ou os substitutos maternos quando a criança era privada do contato materno por guerras ou perdas precoces).
Diante dessa falha materna, a criança pequena viveria a expe­riência traumática de que seus atos não exerciam nenhuma influência no comportamento da mãe. Suas tentativas de transmitir seus afetos, manifestar suas necessidades e receber uma resposta que ela considera apropriada eram inúteis. Então, para ficar distante da angústia de morte, a criança manteria a imutabilidade de seu mundo interno.
Dessa forma, a criança autista estava alienada numa lógica de sobrevivência. O fechamento de si mesma a protegeria da agressividade do mundo externo. Em seus tratamentos, Bettelheim propunha que a criança autista pudesse viver a experiência de uma mutualidade que faltou no passado, encontrar razões para agir sobre o mundo e desenvolver sua personalidade. Tratava-se de propor à criança um mundo em que ela pudesse entrar em pé de igualdade com o outro. Um mundo que se adaptasse à sua loucura e aos seus sintomas, que eram para ela uma necessidade de sobrevivência.
Dificuldades do fim
No final da vida, aos 87 anos, problemas graves de saúde levaram-no a restringir consideravelmente suas atividades. A morte de sua mulher também o abalou profundamente. Bruno Bettelheim pôs fim à própria vida, asfixiando-se com um saco plástico amarrado a uma borracha.
Um grande escândalo estourou nos Estados Unidos algumas semanas depois de sua morte. Em consequência da publicação, em alguns grandes jornais, de cartas de ex-alunos da Escola Ortogência de Chicago, a imagem do bom “Dr. B.”, como era chamado, se apagava por trás da figura de um tirano brutal, que fazia reinar o terror em sua escola. Acusaram-no então de ele não aceitar nenhum visitante, a não ser, e em condições muito restritivas, as famílias das crianças que ali estavam.
Logo os ataques da mídia norte-americana se estenderam à sua vida e à sua obra. Os atributos de impostor, de falsificador e de plagiário se somaram ao de charlatão – possivelmente por ele não ser médico. Esse tumulto teve pouca repercussão na França, onde ele gozava – em razão do sucesso do seu livro A fortaleza vazia, sobre as origens e o tratamento do autismo, e do programa destinado à Escola Ortogênica, realizado para a televisão francesa em 1974 – de um imenso prestígio que só foi prejudicado pelo declínio geral das ideias filosóficas e psicanalíticas nos anos 1970.


Autor
É psicanalista e escritora. Participa do Grupo Acesso, que realiza estudos, intervenções e pesquisas sobre adoção na Clínica do Instituto Sedes Sapientiae. É consultora de ONGs ligadas à defesa dos direitos humanos e autora de livros infantis e juvenis voltados à formação da cidadania.


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